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  • Agda costura o céu do agreste na história da música pernambucana com o seu primeiro álbum

    As costureiras, mototáxistas, árvores, feiras, olhos e braços humanos viram movimento e canção nos “ter sidos” de Agda. Entrevista por João Rocha e Nayara Nascimento As encruzilhadas genéticas que perpassam por Agda, já indicavam, ainda muito jovem, a potência transformacional e poética que se encontraria com o público na sua adolescência. Filha, neta e bisneta de costureiras, Agda carrega consigo os sentidos que a feira da sulanca, em Santa Cruz do Capibaribe lhe apresentou. A influência da família paterna impregna através dos sons e da estrada que lhe leva até o sertão da Paraíba, seu avô, Zé de Cazuza é um patrimônio vivo de poesia, seu pai Miguel Marcondes, é cantor e compositor há mais de trinta anos e está à frente da banda Vates e Violas. Agda aglutina suas vivências as paisagens sonoras, visuais e afetivas em muito verso e rima. Utilizando-se de seu imaginário fértil e de uma escrita flutuante, a artista transfigura para as suas composições os encontros, desencontros e a efemeridade profunda da poesia, da arte e da cotidianidade de um dia de sol ou de chuva. Com produção de Juliano Holanda, a carta sonora conta com a participação de vários artistas como: Neide Maria, Fábio Xavier, Flaira Ferro, Almério, Isaar, Isabela Moraes, Mery Lemos, Virginia Guimarães, Joana Terra, Ezter Liu, Olegário Lucena, Jr. Black, Lirinha entre outros. O álbum carrega o seu nome e é dividido em quatro tempos: “Apontar”, “Us Doidus”, “Ter Sidos” e “Poeira”, que foram divididos com quatro canções cada, denotando sua identidade e autoria, sendo possível ser acessado nas plataformas online de músicas ou ser adquirido em formato físico, o disco, tem um encarte bastante especial, como diz a própria artista. Virginia Guimarães é quem produz esse material gráfico que mais parece uma dança, e conta com vários desenhos da artista, a designer nos concedeu uma pequena entrevista também que segue abaixo. Poeta, artista plástica, desenhista, pintora, compositora, produtora cultural, atriz e cantora, Agda, para além de todos os rótulos que agregam seu percurso, é verbo. Agda é uma ação, um movimento cheio de figuras de linguagem, algo difícil de pegar mas tátil demais para se sentir, como vocês poderão compreender melhor com a entrevista, a seguir: Esse é o seu primeiro álbum, e autointitulado, o que ele fala sobre a Agda e sua trajetória até esse momento? Agda é a primeira e a última coisa de mim. Gosto da distância de uma letra para a água e anda o rio Capibaribe aqui dentro. Comecei a cantar colocando meu irmão Raimon pra dormir quando era criança, acho que foi ali que começou a ser feito. Me parece ter a ver com um mapa de encontros, entre escolas, feiras, e gente querida que amo e amei viver. Precisamos desbravar juntos a alegria de existir, a inventividade, a bravura, o ir e voltar de nosso povo agreste. Cheio de carregações, interlúdios do cotidiano vindo do pano, do tecido, e pode ser uma carta, um trajeto de encontros, entregando algo que fui talvez num poema, e na cantoria somos acompanhados pela natureza. Esse disco é parte de um movimento acontecendo em mim e onde vivo, agora mesmo e desde criança, através do chocalho (espaço cultural pensado por Agda, para produções artísticas em Santa Cruz do Capibaribe), das varandas com meus amigos e a base mais (estúdio criativo de arte e design também de Santa Cruz do Capibaribe, gerido por Marcelo Taubert, seu produtor), tem também as costureiras e pessoas arteiras, mototáxistas, árvores, feiras e olhos humanos trazendo motivos de vida, virados em canção. Acreditei inteiramente na palavra, ao entrar numa biblioteca e me sentir voltada a mundos encontrados nas prateleiras e perto dessa época entender também que a rua e as mesas de poesia são como uma grande escola. Pude perceber fronteiras que dizem sobre o que nos tornamos ao atravessar a realidade, a arte, as rádios, os antigos e novos saberes, até onde nos é dado praças e sementes. Respeitar o que se torna o tempo quando a gente sente, perto e longe do que acreditamos. Então o disco pode ser como um bilhete que vem de uma carta que não para de ser escrita, e que sobe e desce a serra vermelha e volta pra rua grande, em frente a tua casa Jones, te chamando na beira do rio *risos* (Jones é um dos codinomes que Agda adora criar e colocar nos amigos/amores, e essa casa, que atualmente moro, tem uma janela onde é possível ver e conversar com o rio Capibaribe). São 4 tempos, de um sítio, só e conjunto, girando dentro do meu juízo. Como foi o processo criativo do álbum? Criar deve ser o estado mais perto do grito mudo. Letras, tintas, máquinas e aspiração a nosso favor, desembocar em uma obra é como intervir e ser interferido ao mesmo tempo. Um nó de cada vez fez minha cidade, o retalho alinhado a outro fez a colcha, a bandeira, fez o traço na identidade de um lugar que recebe o Brasil e seca no sol de cada varal brasileiro. Então venho da situação de crescer dentro da feira como minha mãe, vó, bisavó e trisavó… ao mesmo tempo venho de cantorias no Cariri paraibano, donde venho dos poetas repentistas e de algumas gerações de Zé de Cazuza, meu avô. Foram 5 anos montando um percurso sonoro, arrudiados com Julians (Juliano Holanda), Mery Lemos sua companheira e outras pessoas queridas que estenderam a poesia de inventar o registro permanente. Acredito no improviso como ímpeto humano luminoso, tive dificuldade de visualizar algo que durasse além do que pudesse ser esquecido após acontecer, mas ao aceitar o processo, fui descobrindo sobre a região, a arte e principalmente sobre nossas capacidades sensíveis, sobre as abelhas que beijam jasmins em Recife e que acordam aqui no agreste e lá no sertão, o que somos juntos e singularmente. Fui café com leite várias vezes ao longo da vida, mas sempre feliz por realizar mais devagar e de outras formas as situações propostas a cada medida do tempo, então quatro tempos, de quatro canções, andar pelo meio, foi como… Muitos artistas saem de sua cidade natal, e lançam na capital, porque você foi na contramão disso? Interiorá é uma ideia que anda comigo, anda em meus amigos, adoro acreditar no que a gente é de bom, a arte é manutenção do coração, ajuda a gente a decidir o caráter do futuro, do presente, do passado… conheci crianças de escolas nas zonas rurais de Santa Cruz do Capibaribe, quero dizer que isso me fez perceber que antes, muito antes das coisas grandes, as pequenas e mais simples coisas nos fazem. Geralmente precisamos do mínimo pra nos apontar, flechas de todas as direções, andar interiorante me diz: Vai!! Pra os que sabem ir assim, sabemos ir e voltar, e ficamos aqui por escolher lhe amar!! Essa terra!! Uma hora será preciso aprender a necessidade de não sujar o rio para tê-lo lavando o jeans. Será preciso entender e colher do que todos nós fazemos o rio ser, onde vivem as capivaras, como elas sabem da terra além e muito depois de todos nós, bem como antes, bem antes… vamos entender como chegar ao princípio, a origem das emoções que nos são. Imagino que venhamos do mangaio, da fartura, da pouca matéria e muitas formas de inventar e sobreviver. Vou muito satisfeita nos menores lugares, eles guardam o que avisaremos ainda, do que saberemos. Ainda vamos andar adentro, desbravar miragens e paisagens perto do que estava longe. Observamos que seu álbum tem participação de diversos artistas da região e locais como Fábio Xavier, Olegario Lucena, Isabella Morais, Lirinha, Virgínia Guimarães. Qual o significado que essas participações têm pra você e como essas colaborações foram feitas? A poesia continua em cada parte de um caminho, alguns, e todos nós levamos juntos o interior de cada capital que ao redor é muito maior, é um espaço grande demais para criação e possibilidade. Encontrar essas pessoas queridas é como abraçar cada pedaço da terra do que somos, o sonho que é em nós, juntar verso é avivar o encontro, a disposição inspirativa, o motivo maior, como caminhar e abraçar artistas que trazem a fruta do imaginário. Queremos continuar, encerrar e levantar ideias. Estamos percebendo juntos como fazer isso? Sim, interligando, aprendendo. O trânsito é uma força do povo da gente. Agda, esse álbum tem várias peculiaridades que fogem desse caminho habitual sonoro que outros artistas fazem, como a inserção de um áudio para um amigo, a presença de uma passagem sonora falada com ruídos e atravessamentos, me fala um pouco do que isso representa para você. A minha trisavó chamava Maria Serrote, ela cortou o mato de uma trilha onde as crianças passavam pra ir à escola, é a partir disso que confio no que a dor e a alegria oferecida desbravam no vivido. Então, o verso livre vem como corredor, atalhos inventados para validar o sentimento acontecido em quem acorda ao inerente modo; a curva, ao paralelo, o contrário modo, o abismo entre o pavão e a pena. Estou aprendendo a ouvir e dizer, criarei o meio dizendo livremente memórias, o ocorrido, a ida, a volta, vamos dizer… A metáfora e a sensibilidade com as palavras são um dos pontos encantadores do teu disco, como no trecho da música A curva de miroucha: “piso na sombra da gameleira, piso na feira, sulanca, mangaio, retalho, couro e algodão”, ao tempo em que o sensível nos invade por meio dessas palavras, teu disco é também composto de muitas denúncias, onde tu enche/preenche teu bisaco de poesias, e você enxerga esse disco como uma ação política? Cada música tem um desenho, um estudo de cores… dedico às pessoas que mudaram e atribuíram a multiplicidade da vida, o gosto pela arte e o sabor das frutas. Vejo estas canções como um conjunto de sons que andou comigo, para andar ainda e talvez, por isso, passageiras, seja isso um dos vínculos que essa feitura atenta, por onde escolhemos passar e ser, como vamos e voltamos. Estas canções vieram, principalmente, de experimentações humanas acontecidas em: escolas públicas, feiras, praças e a varanda da casa de minha mãe...também o teto da casa de Flau (Marcelo Taubert), o quintal onde cresceu Ofélia (nome da gameleira que brotou do concreto na casa em que Agda morou), o café com Anita, a palmeira do sítio São Francisco, o pé de umbu e as gameleiras da Rua Grande... Creio que ouvir, e dizer, seja parte do maior ato político global que atravessamos, estamos na busca de entender como participar desse giro, alargando as possibilidades artísticas e a valoração ao ser humano em sua existência. As práticas que nos fortalecem, e criam impulsos de saberes contínuos. A poesia e as palavras são ferramentas que tocam no mais sensível tangido pela memória. Estamos no meio de bandeiras invisíveis e reais, levo algumas com outras e vejo o mover acontecer, o êxodo urbano, a feira… Como viver essas pessoas e o rio, o que faremos com essa situação é o nosso ato político. Nascida no sertão Pernambucano, a estudante de design Virgínia Guimarães, participou do concebimento do disco "Agda". Virgínia experimenta as artes visuais, sonoras e o design em projetos pessoais no estúdio de arte e design Base/Mais, no Chocalho, coletivo de arte e educação e no laboratório de audiovisual Punctum Filmes, este, fundado com amigos em 2017. No disco realizou o design do encarte e teve participação na canção intitulada “O Cigano” com outros nomes como Ezter Liu, Mery Lemos, Miriam Juvino, Numa Ciro e Paula Tesser. Virgínia também participou da produção do disco juntamente com Marcelo Taubert. Em entrevista, nos conta um pouco de sua veia artística e de sua participação no disco "Agda". Primeiro eu queria que você falasse sobre você, dessa tua veia artística, como você se vê, quem é Virgínia? Eu sou estudante de design e estou me formando na Universidade Federal de Caruaru e artista desde família, dos pais. Então essa veia artística que também permeia a cidade, a costura também, que é uma arte. Então crescer nessa cidade também me transformou numa artista, me levou por esse caminho, no caminho das artes visuais e das artes sonoras e também do audiovisual, do cinema, da fotografia. Então, são muitas áreas aí que a gente se alarga, então também na produção e do design, enfim, para além. E você também faz parte da Punctum, não é? Me conta, como surgiu a Punctum Filmes? Surgiu em 2017, concomitantemente, quando nasceu o primeiro filme, Palestina Brasil. A Punctum nasceu com ele, que foi uma ideia da minha mãe, que é agente de saúde comunitária, que queria que a gente fizesse um filme sobre algumas pessoas do bairro. Então a gente se uniu, né? Amigos que também sabem de fotografia, um pouco de produção, um pouco de jornalismo, então se juntou para realizar, né? Porque se não tem a gente, a gente tem que fazer, sabe? E aí a gente deu nome a isso, né? Então é isso. E desde então a gente vem fazendo algumas produções. O primeiro filme foi Palestina Brasil, que é um documentário e a gente já fez outras coisas também, mais experimentais, animação, ficção e sempre também trazendo questões da cidade, da nossa região, sabe? E surgiu em 2017 e desde então a gente está produzindo. Em relação ao trabalho agora com Agda no disco, eu vi que você realizou a produção do design do encarte, como foi essa tua experiência? Foi o meu primeiro projeto assim de disco. Nunca havia feito e foi um grande desafio e que foi um grande mergulho também, com ela e comigo e com todos nós, porque não foi construído só por mim, foi construído também com ela e com todos. Foi uma experiência transformadora descobrir também como aplicar artisticamente no design uma coisa tão profunda que diz também sobre mim, porque o disco também fala muito sobre a cidade. Como é que você vai contar em imagens todas essas cores, todos esses sabores que é Agda também, sabe? E que é a gente também. Achei muito bom e muito transformador e muito feliz de que eu seja daqui, que ela tenha me convidado, que ela seja daqui, então, pra gente tentar traduzir em imagens, em design. E toda essa história que é parte da gente também. Como você enxerga a representatividade cultural aqui de Santa Cruz? Do que que a gente realmente precisa para esse fortalecimento e essa movimentação cultural aqui na cidade? Engraçado, você fala do movimento, né? O movimento existe enquanto ele está acontecendo, né? E acredito que a cidade é cheia de artistas, cheia de trabalhadores, de costureiras, de vendedores, de imigrantes, de gente que mexe com teatro, de gente que mexe com música, gente atenta ao mundo, gente sensível, Poetas aqui na nossa cidade existem, mas a gente precisa que o movimento se engate, né? E de onde ele vem também, né? De várias e várias frentes, políticas públicas. Toda essa história que a gente já conhece e que é necessária a difusão, apoio dos órgãos públicos. Porque tem muito artista aqui, muita gente sensível. Eu vejo uma cidade muito potente nesse sentido. Temos a Novo Século, que é a primeira banda, a banda mais antiga da cidade, né? A cidade tem 70 e poucos anos de emancipação, a Novo Século tem mais de 120. Uma coisa que vem antes desse nome. Uma terra que antes de ser Santa Cruz, era o nome indígena Tapera, nome de riacho, que é o riacho onde eu nadei quando eu era criança. Então isso é muito importante, né? Por isso que eu não deixo que chamem a cidade bolsonarista, sabe? A diferença de votos foi muito pouca. Aqui tem muita gente trabalhadora, sabe? É isso, muita gente artista. Teresa Benassi - artista nascida em Pernambuco. Uso da imagem permitido apenas para fins não comerciais e com o devido crédito da autoria. Mais informações: teresabenassi1@gmail.com

  • Tatuagem: Liberdade e Democracia

    Vídeo Ensaio produzido por Renan Oliveira O vídeo ensaio vai mostrar Carlos Marighella, político e guerrilheiro contra a ditadura militar e Clécio Wanderley, personagem do filme Tatuagem do diretor pernambucano, Hilton Lacerda, mas afinal o que essas duas figuras tem em comum? Os dois lutam pelo mesmo ideal de liberdade e democracia, mas só tem uma coisa que diferencia um ao outro, a forma de lutar. Em uma época onde não se podia mais falar em revolta armada a única arma contra a opressão é o deboche. O ano era 1978 ano de terror de estado. A ditadura militar no Brasil estava na sua fase mais opressora, fase essa que censurava qualquer tipo de manifestação política ou artística, indo contra a liberdade de expressão. Mas afinal o que diabo é liberdade? E democracia? Democracia é liberdade? Democracia tem símbolo? Este vídeo ensaio traz uma reflexão sobre liberdade com uma pitada de deboche. Link para acesso: https://youtu.be/COtc9wjdQEc

  • O Peso do Ser

    Texto por Thiago Muniz A ideia para o filme surgiu um certo dia, quando eu passava de carro por uma rua de Caruaru, e presenciei uma cena atípica. Um cavalo raquítico estancou, logo após isso, um homem desceu da carroça, e o espancou incansavelmente, em pleno movimento do tráfego. Ao me deparar com aquela cena, logo me veio à mente duas coisas: a primeira foi a história de Nietzsche – que enlouqueceu na cidade de Turim após presenciar uma cena parecida. E a segunda foi o filme “O Cavalo de Turim (2011)” . Nesse filme, o diretor húngaro Bela Tarr, cria uma história baseada no que aconteceu com o “cavalo de Nietzsche”, depois do famoso acontecimento. Nesse contexto, essas referências surgiram pra mim como um grande ponto de partida, iniciei assim uma busca por esse carroceiro, cuja personalidade e vida foi se formando pra mim durante toda a realização do filme. A ideia da unidade fílmica do curta “O Peso do Ser”, é apresentar a vida de um homem que vive em um mundo de contradições, e que não consegue se encaixar em nenhum lado do grande embate entre o moderno e o arcaico, entre a ordem e o caos. A personagem Ana, esposa do personagem Jorge, surge como uma figura que simboliza a bussola norteadora, o contrapeso na balança que procura dar estabilidade a esse homem atribulado. Esse personagem representa uma parte da população do Agreste Pernambucano, pertencente a uma classe social baixa. Essas pessoas, possuem raízes e estilo de vida arcaico, mas vivem em um mundo de abundância de objetos e constante consumo. Nesse contexto, o objetivo do filme não é trazer respostas prontas sobre esses problemas, mas sim para levantar reflexões como: “Somos determinados por nossas raízes? Somos reféns da nossa condição, ou das nossas próprias ambições? Qual é a vida boa; aquela que se ganha mais, consome mais e deseja mais, ou aquela que se vive buscando os prazeres das pequenas coisas? Além disso, sigo a filosofia de que um bom filme não é composto apenas pelo que se diz; mas sim pela simbiose do que se diz, alinhado a como se diz, formando assim uma unidade cinematográfica coerente. Nesse sentido, a proposta estética é trabalhar com extremos, com o intuito de representar esse conflito interno e externo através das imagens. Não existe cinema sem a captação dos acontecimentos através do meio técnico. Sendo assim, sigo a filosofia de que é papel do diretor conhecer as particularidades técnicas do cinema pra encontrar a melhor forma de favorecer a história. Nesse sentido, elaborei uma decupagem pautada pelo rigor formal, constituída de planos mais longos, movimentos sutis de pan, tilt e travelling. Porém, mesmo sendo completamente decupado, também utilizei cenas com câmera na mão, para intensificar os momentos onde os demônios interiores do personagem, escapam para a superfície de forma mais clara. Além disso, como dizia o cineasta Andrei Tarkovski, fazer um filme é como esculpir o tempo. E fazer isso só é possível através da montagem, que é a parte onde organizamos as cenas e encontramos o ritmo ideal. Sendo assim, nesse curta-metragem, optei pelo uso de uma montagem narrativa – aquela que conta uma história e transmite seu sentimento. Utilizei planos mais longos e poucos cortes, com intuito de explorar a capacidade realística da mise-en-scène, as possibilidades do espaço e a percepção do tempo dos habitantes que vivem em cidades do interior de Pernambuco. Por fim, temos a música. Não enxergo a música como um elemento secundário que tá lá só pra aumentar a tensão ou salvar alguma cena que não deu certo, como fazem muitos diretores. Não. Pra mim, a música é algo extremamente importante, um elemento capaz de elevar a níveis extremos, ou até mesmo arruinar o sentimento de uma cena. Nesse sentido, utilizei o recurso da música como um elemento vital do personagem. No sistema formal do filme, ela aparece em seus momentos de vulnerabilidade em dois momentos chave: Quando Jorge afaga o jumento após espancá-lo, como se fosse um pedido de desculpas. E na última cena, quando ele desmorona nos braços da mulher. A cantiga de ninar que Ana canta nessa cena, funciona como uma espécie de “afago primordial”. Nesse fim, encontramos Jorge desnudo, desnascendo, massacrado por todo o peso do seu ser, enquanto Ana representa toda a bondade e sacrifício no seio dessa agonia.

  • Ruminante Sem Rumo

    Crítica por Leandro Ferreira Em tempos inoportunos, a cronologia dos fatos nos antecipa a ansiedade que recai sobre as datas icônicas; é dentre os incômodos e ânsias insaciáveis que retomam-se as narrativas do interior. Em Animal Político, a impossibilidade de escapar das inquietações localizadas no incontrolável futuro tensionam as estruturas do ser e proporcionam uma imersão nas vicissitudes compositoras de suas urgências. A partir do recorte de uma personagem atípica, o diretor Tião permite ao público a identificação com o anômalo, cuja manifestação se desdobra ao animal: por intermédio da vaca que vaga pelas trincheiras do pensar em vagarosos passos, somos transportados para uma intervenção de realismo mágico no tédio pujante das banalidades da vida. Representante da natureza bucólica, reside nesse bicho uma procura infinda, adormecida, por sua própria natureza. Embora a conjunção que resguarda os entrelaces entre a dimensão que tangencia os anseios instintivos mais primários, o desejo pelo contato com as potências do eu se desdobram por intermédio da figura do bovino de potências domesticadas. É por e através dessa figura que nos deparamos com questões tão próprias, enquanto partícipes da condição de feras domadas, amansadas pela rotina irremediável entre afazeres metódicos e diversões mecânicas. O solitário trajeto percorre por um caminho construído tão somente pelas próprias pegadas já traçadas pelos cascos dessa eremita, a circularidade da rotina ordinária se remonta mesmo na peregrinação. O aspecto cíclico dessa odisseia em busca de sentido e significado para além do ócio das efemeridades se remonta enquanto possibilidade de ressignificação dos caminhos percorridos, é entre o flanar desatento e a fluidez dos devaneios que percorremos o íntimo dessas questões cujas reflexões promovem a identificação instantânea. Perpassando outra esfera, nos deparamos com A pequena caucasiana, uma jovem mulher humana, herdeira da fortuna decadente dos engenhos de cana-de-açúcar, essa personagem encontra refúgio ao longe das ilhas de calor presentes nos grandes centros urbanos, disposta em sua própria ilha de solipsismo, rodeada somente por água salgada. Cerceada pelas estruturas de seus castelos imaginários e as ruínas reais de um sistema decadente de manutenção do lucro proveniente dos espólios do escravagismo, essa emblemática personagem carrega consigo a convenção pela ausência das subjetividades dos sujeitos, expressa mediante seu encontro com as normas objetivas da ABNT, redutoras da experiência do indivíduo ao que pode ser classificado em suas diretrizes. Entre similaridades e dessemelhanças prostradas por intermédio dessas misteriosas personagens que se desvelam em confluência com seus isolamentos, se cria uma lacuna, seriam estas antagônicas ou complementares? As provocações trazidas pelo filme contrastam e aproximam suas distinções, deixando ao público o exercício do senso crítico para diferenciar tais criaturas. As incertezas compartilhadas entre quadrúpedes e bípedes são catalisadas por uma estrutura narrativa ambivalente, cujo caráter aproxima e repele esses mamíferos e suas particularidades expressas entre os coeficientes racionais e instintivos do pensar. Ao final da jornada de nossa protagonista, é possível observar o flerte com as teorias evolucionistas, expresso mediante a figura do monolito transportado da obra de Stanley Kubrick, ressignificado enquanto objeto de contemplação, e não um essencial potencializador de mudança. Esse artefato externo se demarca no espaço que atravessa a formação identitária de nossa personagem, tendo em vista que a transformação imanente ao percurso da vaca integra um processo de emanação de suas possibilidades internas, advinda das capacidades do ego e de seu contexto. A exteriorização de suas particularidades fundamentais se manifesta através dos gestos de contentamento com a realidade objetiva, em um movimento de acolhimento de suas necessidades mais humanas e mundanas, nossa personagem trafega com duas pernas o caminho trilhado de volta à sociedade. A ficção de Animal Político versa diretamente com a ampla gama de sentimentos provenientes dos dias inescapáveis, expressos entre datas: as memoráveis, nos quais a iconoclasta se apresenta impensável, ou no denso cotidiano e sua repetição incessante. Na data que escrevo, nos aproximamos de uma efeméride: a lenta marcha ao segundo turno de uma eleição presidencial capaz de reconfigurar as noções penetrantes do cerne das angústias da população. Cercados pelo fluxo indomável das notícias catalisadoras da biografia da nossa barbárie, e o ecoar do berrante que direciona o gado, tal qual as trombetas anunciadoras do apocalipse. é necessário manter a firmeza dos passos constantes que nos encaminharam, outrora, às épocas de vacas gordas. Na condição de animais políticos, devemos rumar contra os avanços dos sujeitos cujos objetivos prezam pelo abate de nossas pluralidades.

  • Jornada de Mc’s: fortalecendo a resistência e a representatividade das periferias de Pernambuco

    Indicação por Niny Nascimento Evento da cultura do hip hop reúne artistas diferentes, mas que possuem narrativas que se encontram Uma cultura inerentemente periférica, negra e de influência afro-diaspórica. Mesmo possuindo quatro elementos muito conhecido e difundidos pela mídia (o grafite, o MC, o DJ e o breaking) a cultura do hip hop se multiplica e ressignifica seus incontáveis signos a cada dia, tornando-se difícil definir-se em uma fórmula única. Quem observa ou até mesmo analisa o movimento não dando atenção ao seu caráter social, desconhece a sua história, ou melhor, a história de cada indivíduo que compõe todos os dias essa cultura, fortalecendo, educando, fazendo arte, resistindo. A importância de dar o protagonismo aos próprios participantes dessa cultura se dá por meio do encontro dessas narrativas, das semelhanças e vivências pautadas na luta pelo reconhecimento e valorização das periferias. Essa observação se aflorou a partir do evento Jornada de MCs, realizado pela quarta vez no 30º FIG (Festival de Inverno de Garanhuns), em julho de 2022. Através de entrevista com o próprio fundador do projeto, DJ Big e também com pessoas que estavam na organização ou participando das competições e apresentações do evento, foi possível traçar linhas de encontro coletivo partindo de cada experiência individual. Jornada de MCs e a sua Representatividade O Jornada de MCs nasceu em 2005 no palco da Terça Negra, evento voltado para a difusão e visibilidade das culturas afro no Pátio de São Pedro, no bairro do Santo Amaro em Recife. Com o passar dos anos, o projeto se fortaleceu como um festival, dando oportunidade para diversos artistas de Pernambuco e também realizando oficinas e competições. Em 2017, em parceria com a Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE), conquistou espaço oficialmente no FIG. O Festival de Inverno de Garanhuns foi realizado pela primeira vez em 1991 e hoje reúne diversas vertentes artísticas como música, teatro, artesanato e literatura. Um evento como o Jornada acontecendo dentro de outro festival como o FIG, que recebe pessoas de todo estado, é o primeiro ponto interessante a se observar. Movimentos e projetos que nascem dentro das periferias geralmente são invisibilizados, justamente por vir de um local marginalizado pela sociedade e esquecido pelo Estado. Questionado sobre o que representa um evento do hip hop acontecendo dentro do FIG, DJ Big comenta: “Pra mim representa a vida, mas também representa a luta. Não tem como desvincular uma coisa da outra porque, quando a execução do projeto tá acontecendo, a gente vê vida, mas, antes de ela acontecer, a gente tem a luta. O grande problema é a dificuldade de as pessoas entenderem que esse projeto, essa cultura, além de salvar vidas, mostra outros horizontes pra galera começar a focar. Seja na música, seja na literatura. Enfim, coisas que desenvolvem a mente do jovem”. Zé Brown, integrante da renomada e pioneira Faces do Subúrbio foi um dos artistas a se apresentar no festival. Para ele olhar para trás e ver tudo que o movimento conquistou, se tornar uma modalidade olímpica por exemplo, é muito importante. Além disso, existir um evento como o Jornada dentro do FIG, é enxergar a possibilidade das pessoas conhecerem a cultura, participar e até mesmo desconstruir seus pensamentos equivocados em relação ao movimento. “É sempre bom dar continuidade ao que traz um rendimento importante, ao que dá um olhar para o futuro, respeito e compreensão do que é a cultura. A gente sofria muita repressão da polícia, discriminação, preconceito das pessoas que falavam que isso era coisa de marginal. Tô aqui em Garanhuns mais uma vez, pisando nesse tapete e parabenizando todo mundo, que está curtindo e produzindo esse festival.” A arte resistindo nas periferias Se o que é das ruas e do povo preto é considerado inferior e não recebe o olhar que realmente merece, a valorização vem de dentro das próprias periferias. Algumas pessoas entrevistadas relataram que conheceram a cultura através de algum projeto dentro da sua comunidade. DJ Big citou que trabalhou com o Grupo Pé no Chão durantes anos. A ONG Pé no Chão é um projeto urbano e arte educador voltado para crianças e adolescentes. DJ Ronny, artista de 27 anos da comunidade do Arruda, Recife, também conheceu a cultura através da ONG. A cantora e compositora Nanny Nagô é de Jaboatão dos Guararapes e foi uma das artistas a se apresentar no Jornada. Nagô consumia rap junto com a sua família desde criança, mas passou a integrar a cultura de forma mais intensa quando conheceu o movimento CSA, no Cabo de Santo Agostinho. Conhecer o hip hop por meio desse tipo de projetos de propagação da cultura também é frequente na narrativa dos participantes. Alguns movimentos são mais naturais, como o ato de assistir vídeos de breaking e depois passar a se reunir com os colegas nas ruas para treinar e estudar essa dança. Foi o caso do dançarino Akira Soul, de 27 anos. O hip hop se popularizou nos Estados Unidos na década de 70 e foi chegando aos poucos no Brasil a partir da década de 80. Nos anos 2000 ainda não existiam muitos conteúdos sobre a cultura como existem hoje, principalmente na internet. O que contribuiu bastante para a difusão do movimento no Brasil foi essa curiosidade aflorada através dos poucos vídeos e filmes que chegavam aqui. Okado do Canal, apresentador da batalha de breaking do Jornada, hoje investe na carreira de MC e ator, mas iniciou na dança depois de assistir uma reportagem sobre a morte de Sabotage, um dos principais rappers brasileiros. Ficou curioso e começou a ouvir sobre a cultura dentro da sua comunidade, a favela do Canal em Recife, até chegar nos encontros de breaking que aconteciam na época. Esse ato de consumir vídeos que chegavam de fora do país e começar a procurar conhecimento sobre algo novo também pode se caracterizar como um processo de resistência, visto que essas pessoas se desdobravam para entender e apreciar uma cultura mesmo sem ter acesso direto a ela inicialmente. O hip hop vence até a falta de acesso. A importância da cultura O fruto de locais que vivem à margem da sociedade e esquecidos pelo Estado muitas vezes é a criminalidade. Como o próprio DJ Big comentou, o hip hop traz a possibilidade de os jovens da periferia se ocuparem com a arte e investirem em outros caminhos, rompendo estereótipos de “quem nasce na quebrada, não serve pra nada”. Para a rapper Nanny Nagô, a cultura é uma possibilidade da periferia não se limitar mais em algo único, além de incentivá-la a se descontruir. “Não tem como você cantar uma coisa e viver outra. O hip hop me ajudou muito com a minha construção de caráter. Se eu quero abrir mentes, eu tenho que construir primeiro a minha, tá ligado?”. Okado do Canal conta que, infelizmente, alguns dos seus amigos que não tiveram contato com a arte hoje estão mortos, presos ou são dependentes químicos. O cantor diz que essa cultura contribuiu para que ele tivesse contato com pessoas conscientes que o ajudasse a salvar a sua vida. O MC conta que teve uma época sombria em sua vida, chegou a fazer algumas coisas erradas, mas que hip hop o abraçou, acolheu e o trouxe de volta. Ele também comenta que hoje aproveita a oportunidade de conquistar o mundo e passar as suas experiências para os jovens e adolescentes da sua comunidade que o tem como referência. Okado completa dizendo que a mídia geralmente vai para as periferias apenas para retratar morte e violência, mas que a cultura do hip hop vem justamente para romper essa perspectiva. A cantora de Jaboatão dos Guararapes MC Agô, que também se apresentou no Jornada de MCs, conta que embora a polícia sempre faça abordagens nos eventos de hip hop dentro das favelas, o movimento traz a possibilidade de fazer protestos sem que haja um silenciamento efetivo. Além disso, ela também acredita que o movimento traz diversos benefícios para as comunidades trazendo consciência e a possibilidade de ter a arte como fonte de renda. Por fim, ressalta que diversos artistas que estão no topo hoje vieram de periferias. Negrita, atriz e rapper, moradora da cidade de Carpina e uma das apresentadoras no Jornada, diz que a importância da cultura se dá por meio do grito de liberdade expressado por meio dos quatro elementos (grafite, Dj, MC e breaking) e que a resistência do movimento dentro das periferias significa uma representatividade grande. Um dos jurados da batalha de breaking do Jornada, o artista Thiago Cabral, mais conhecido como Takeone, não sabe onde estaria se não fosse o hip hop. O dançarino de Camaragibe acredita que a cultura seja uma forma se ressocialização e conta que de onde veio é comum familiares e amigos se envolverem com a criminalidade, mas que a arte o livrou desse meio. “Quando você conhece a dança, o breaking, você vicia, você foca e só tem olhos pra ele. O hip hop vem pra te dar um propósito. Ele simboliza tudo isso, os quatro elementos: paz, união, amor e diversão.”

  • Uma Música Cascabulho

    Texto escrito por Maria Clara Mendes No dia 19 de maio de 1995, com o Recife em plena transformação do Mangue, surge uma das bandas pernambucanas mais inventivas e com raízes na obra de Jackson do Pandeiro. O Cascabulho deixou a sua marca no Mangue e na música brasileira. “É muito gratificante ter a certeza que você acompanhou o processo inicial e que ainda está ativo na construção desse movimento que veio a se chamar de Mangue”, revela Magrão, vocalista do grupo, em entrevista à Revista Spia para o Especial de 30 anos do Manguebeat. A contribuição do Cascabulho com o Manguebeat reflete a diversidade musical e estética do movimento. Sobre este aspecto, Magrão é enfático: “A peça fundamental do Manguebeat foi a diversidade. Você tinha uma cidade pulsante, e ainda tem, numa produção musical efetiva e vigorosa, e ao mesmo tempo, uma diversidade que eu acho difícil outro lugar do Brasil ter”. Esta pluralidade se evidenciava sobretudo em dois alicerces do movimento: Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, autores respectivos dos icônicos discos ‘Da Lama ao Caos’ e do ‘Samba Esquema Noise’. “Nós tivemos o primeiro contato com Chico Science & Nação Zumbi na cidade de Campina Grande, onde nós abrimos um show pra eles que estavam vindo, se não me falha a memória, de Fortaleza, e daqui de Recife foi o Cascabulho e o Eddie”, recorda. Foi nesta noite que a banda entregou a Paulo André Pires, empresário de Chico e Nação, um release e uma fita demo. “Depois que Chico faleceu, nós começamos a trabalhar com Paulo André e foi onde nós fizemos as nossas primeiras turnês internacionais.”, relembra. Este encontro impulsionou o Cascabulho a lançar o seu primeiro álbum, no Brasil, na Europa e no Japão, colocando um potente trabalho autoral no mundo. Destas memórias se destaca um lamento: “Infelizmente por uma partida precoce, a música perdeu Chico e nós não tivemos a honra de trocar uma ideia com ele, de talvez traçar algumas coisas musicalmente falando”. É possível se emocionar só de imaginar o que Chico e Cascabulho teriam produzido. Se não houve tempo suficiente para que esta parceria acontecesse, Chico Science inspirou uma geração e movimentou, com outros caranguejos, uma cena em que o Cascabulho se insere. “Eu considero o nosso principal legado, além de fazer parte dessa diversidade, nós construímos, hoje, uma música Cascabulho que veio fincada a partir da música de Jackson do Pandeiro”, observa. Esta influência é um indício das vivências dos membros da banda. “Como pessoas nascidas no centro urbano e crescidas na cidade, mas filhos e netos de pessoas que vieram de zona rural, mostrar a música de Jackson do Pandeiro numa dimensão ampla foi fundamental”, ressalta. Se ainda hoje há quem desconheça a obra de Jackson do Pandeiro, a situação não era diferente nos anos 90 e o grupo buscou “mostrar a música do Jackson do Pandeiro numa dimensão maior do que apenas algumas canções que se conhecia do rádio, no período do ciclo junino”, aponta. A vontade era construir a sua própria identidade, inspirada na genialidade do mestre e vinculada com referências da zona rural e da vida urbana. O Cascabulho se colocou vigorosamente numa posição de destaque, pulsando criatividade e confirmando o que para Magrão é uma certeza: “considero que ainda hoje a música pernambucana é a música mais criativa da música brasileira”. O movimento Mangue é um forte exemplo da diversidade e da criatividade da música pernambucana, “o legado do Manguebeat foi ter colocado efetivamente a música de Pernambuco em sintonia com a música contemporânea do mundo”, afirma. O Mangue que já se mostrava original nos anos 90 e que ainda ecoa 30 anos depois, “foi uma oxigenação total, naquele momento, nas artérias da música brasileira, injetando novos elementos e inovando a música brasileira”, manifesta. Para o Cascabulho é um orgulho ter participado deste momento histórico e se manter na ativa como “uma das poucas bandas, ao longo desses 30 anos do Mangue, com 27 anos ininterruptos de atividade”, destaca. Fica evidente a vontade de fazer muito mais: “o Cascabulho continua seguindo com disposição de mais 50 anos de música, de força, e de construção de uma música Cascabulho”. A música brasileira só pode festejar que o Cascabulho continue a sua inventividade, levando para as novas gerações o trabalho de Jackson do Pandeiro, o legado da própria banda e do Manguebeat. Afinal, a música Cascabulho nos revela o que de melhor temos na cultura pernambucana e brasileira.

  • Manguefonia

    Relato escrito por Mariana Gonçalves Show de celebração aos 30 anos de Manguebeat com concepção e direção de Jorge Du Peixe e Dengue que balançou a praça Dominguinhos com big band de formação hibrida de percussão, guitarras e vozes exaltando herança viva do movimento cultural brasileiro que tirou a produção musical do estado do marasmo botando em prática a filosofia da diversão levada a sério. Pernambuco ainda abriga uma das maiores e mais originais cenas culturais do país, com uma diversa gama de expressões de novos e antigos talentos. Desde os fins dos anos 80 para cá, mais de 30 anos de experimentos da Nação Zumbi, Mundo Livre SA, Devotos do Ódio, Eddie e Mestre Ambrósio e seus afiliados Mombojó, Sheik Tosado (hoje na figura solo de Chinaina), Alessandra Leão, Isaar e Karina Buhr (isto contanto apenas no eixo Recife-Olinda), seguem botando em prática a filosofia da diversão levada a sério e o mote "Pernambuco embaixo dos pés e a cabeça na imensidão", realizam de seus núcleos espalhados pelo país um pós Manguebit de musicalidades tão ímpares que deixaria o saudoso patrono orgulhoso. O anúncio de um show com membros da Nação meses depois da notícia um hiato de duração indeterminada, já era chamado o suficiente pra caravanas e fãs partindo de todo o estado tomarem o rumo da cidade das flores. Meu conto começa na rodoviária de Caruaru, 97.6 km de distância do ponto final da noite, de onde partimos num Chevrolet Classic, cheio de malas e de expectativa. Era o último show do palco principal do FIG e pela hora só íamos chegar a tempo da misteriosa homenagem (não que ninguém precisasse conhecer mais que três nomes da lista e três hits pra já ficar ansioso). A praça Mestre Dominguinhos já estava apinhada quando por volta das 11 da noite a apresentação começa, com Roger de Renor relembrando nominalmente a importância das personalidades e coletivos da cena, da força e representatividade de um movimento que segue vivo trinta anos depois de pedra fundamental ser lançada em forma de release-manifesto, assinado por Fred 04, o ministro da comunicação do mangue. Abrindo com Siba Veloso, vocalista compositor e multi-instrumentista, da finada Mestre Ambrósio, Siba e a Fuloresta, em atual carreira solo cantando “Trincheira da Fuloresta” emendada num sincero discurso de valorização da cultura tradicional. Daí começa a Turma tá Subindo, e com ajuda do ritmo e de um pouco de álcool, ninguém fica parado. Cannibal, segundo convidado, surge tal qual uma entidade de força e beleza, incendiando o público, puxando coro pra Lula, citando Paulo Freire e exaltando o “Punk Rock Hardcore do Alto José do Pinho”, berço da Devotos do Ódio, banda formada em 1988 no bairro recifense que dá título ao hit, que como a galera das primeiras grandes rodas punk por todo lado já sente, é do carai. Seguimos com Fábio Trummer que faz uma performance rápida e amarrada mas instigante dos hits de sua banda Eddie. Dando a deixa pra Louise França, atriz e cantora, a filha de Chico, que é a quarta vocalista da noite, fazendo sua estreia nos palcos do FIG com traje de gala: óculos de lente verde, chapéu coco de fibra sintética e o vestido de Silvana Carmo adornado de caranguejos, prédios, antenas e água. Todos os símbolos da manguetown e essa garota com a feição conhecida (nem todos os filhos parecem com os pais mas Louise parece e muito com Chico, é inevitável não vê-lo nela). Desde a hora que sua figura é iluminada no palco, é tudo dela. Cantando “Risoflora”, com a guitarra de Neilton pronunciada e limpa, o público em coro, ela passeia leve pelo palco, à vontade e linda. Emocionado e orgulhoso, Fred 04 assume os vocais e, de cavaquinho em punho começa sua “Livre Iniciativa” com Dengue inspirado no baixo e no backing vocal. Na sequência “Baile Infectado” e Toca Ogan no front: com seu tambor, de roupa e sapatos brancos o percussionista brilha e emenda uma dança cheia de suingue e classe (Toca é músico e sacerdote de candomblé, junto com Gilmar Bola 8 é cria do Lamento Negro grupo de percussão e canto seminal para o movimento, este nascido das iniciativas de formação do Daruê Malungo, centro de cultura e educação de Peixinhos onde crianças e jovens aprendiam desde cedo a dançar e a tocar instrumentos.). Agora a deixa de Jorge Du Peixe, que abre o último bloco do show com “Monólogo ao Pé do Ouvido/Banditismo Por Questão de Classe”. O clima muda: a Nação está presente, o coro engrossa, todo mundo sorri. as maiores rodas punk se formam por onde a vista alcança. A massa de gente que lota a praça pula, corre e nesse ponto ser empurrado pela horda de homens e mulheres eufóricos é inevitável, eu fui. Passado o susto voltei pra roda, tirei e amarrei meus dois casacos e me joguei em “Foi de Amor”, sentimental, instigante e caótica, o que uma pequena gota serena é capaz de fazer. Em “Meu Maracatu Pesa uma Tonelada” Vicente Machado, baterista da Mombojó e o trio de percussão brilham desde os primeiros pulsos do couro. Serpentina voa, jatos de fumaça abrem alas pra “Manguetown”, o maior coro completa os versos, Du Peixe nem precisaria cantar senão quisesse. “Quando a Maré Encher” traz Fábio Trummer de volta (aos não iniciados cabe mencionar que é dele a letra famosa também na voz de Cássia Eller), e todo ser vivo num raio de várias centenas de metros sente a vibração da percussão rápida e pesada do trio. O show se encaminha ao encerramento, é a hora do coral: cinco vocalistas se unem em “Da Lama Ao Caos”, Siba prefere agora contribuir nas cordas de sua guitarra. Em cerca de duas horas e dez minutos de show, doze artistas no palco, três gerações de artistas pernambucanos, trinta anos de história ainda sendo escrita. Foi meu primeiro show da Nação, um marco na vida de qualquer entusiasta de música boa; o terceiro avistamento de Siba, mestre dos públicos e do ritmo, tá sempre incrível; foi nesse dia que conheci Cannibal, Toca e Dengue, Louise e Trummer, uma galera boa de ritmo, de discurso, de dança e carisma; e nos meus também 30 anos, nunca antes o propósito do manguebeat fez tanto sentido. Ele segue vivo no imaginário coletivo de quem nunca pisou no manguezal mas ouviu Chico cantar do chié, da lama fétida mas fértil. Da cidade sufocada ilusora de pessoas (ou o que restou dela), dos jovens e velhos filhos da revolta, da fome, tão mais latente hoje num país endividado e empobrecido e também de mim, aquela criança humilde dentro do paú, em Jardim Maranguape, fazendo armadilha pra aratu e se encantando com os frutos do pé de panã; indo de kombi ou no Chevette vermelho de meu pai à primeira etapa de Rio Doce visitar minha avó paterna. Lavadeira, pescadora e exímia cozinheira dos frutos desse mar, que não deixou seus noves filhos sem mistura. No almoço com pirão de guaiamum, rádio ligado, cerveja e dominó, ouvindo como era limpo e vivo o rio que dá nome ao bairro de Olinda, berço do coletivo mangue e de Chico, do Sheik Tosado de China e Bruno Ximarú, do som estrondoso, original, político e forte que em 21 de julho de 2022 invocou emoção e bagunça e alegria sem nome e sem fim na madrugada fria e festiva da praça Dominguinhos. Não foi um show qualquer Saímos todos rebocados pela PM assim que o show acabou e começaram as rodas de coco, sempre elas, porque se eles deixassem tinha gente lá até agora. Galeria de Fotos:

  • “Fazem 25 anos da partida dele, e eu vejo muita gente de uma nova geração que não o conhece"

    Entrevista com Paulo André Moraes Pires, por Nayara Nascimento Fundador e organizador do festival Abril Pro Rock, um dos criadores da feira Porto Musical, empresário que articulou a jornada da música pernambucana dos anos 90 pelo mundo, especialmente a carreira de Chico Science & Nação Zumbi (e também da Nação após a morte de Chico), Paulo André Moraes Pires dá um novo passo em sua carreira, dessa vez como escritor. Em agosto deste ano lançou seu primeiro livro: "Memórias de Um Motorista de Turnês", o livro traz a memória principalmente do lado estradeiro de suas aventuras musicais. Em entrevista, ele conta um pouco como surgiu a ideia do livro e a cena Manguebeat. Nayara Nascimento (NN) - Como surgiu a ideia de fazer um livro contando essas tuas experiências como produtor? Como se deu o processo criativo? Paulo André Moraes Pires (PP)- Agora durante a pandemia, 2020 e 2021, foram duas datas redondas das turnês. Em 2020, foram 25 anos da “From Mud to Chaos”, o World Tour, né? Que foi a Turnê internacional de “Da Lama ao Caos”. E no ano seguinte foram 25 anos da segunda turnê que a gente chamava de “Afrociberdelia”. E bom, pandemia, a gente em casa, eu comecei a me debruçar no acervo. Eu sou colecionador desde os dez anos de idade, então eu sempre tive a preocupação de guardar os flyers, cartazes, e tal, e aí eu comecei a olhar esse material, jornais.... Então quando chegou a pandemia e eu comecei a postar essa memoriadelia e falar dos dias e das coisas que aconteceram, eu comecei a ver que eram os posters mais comentados. Quando chegou 2021, que aí eu já estava falando sobre a turnê Afrociberdelia Internacional e outros assuntos, veio o edital Recife Virado, da prefeitura do Recife, e ai eu comecei a analisar o Instagram, e me dei conta que eu já tinha textos suficientes tanto para um livro mais diferente do que eu idealizava. Eu sempre falo assim: eu estou escrevendo esses textos das turnês internacionais principalmente pela memória do Chico. A gente vive num país sem memória. Fazem 25 anos da partida dele, fazem agora mais de 25 anos dessas turnês, dos discos, e eu vejo muita gente duma nova geração que não conhece, então, a ideia era essa, mas eu desfiz essa ideia quando eu resolvi fazer essa compilação de textos que tem um pouco de cada um dos livros que eu pretendo lançar ainda num futuro próximo, como, por exemplo, a minha experiência dos três anos nos Estados Unidos, enfim um pouco dessa trajetória. NN – E o que os leitores podem esperar do livro? PP - Olha, o livro, acima de tudo, é um livro divertido, é um livro que eu escolhi não ter histórias tristes. Nesse livro eu tentei trazer duas coisas, a primeira: eu sou muito convidado para falar para jovens músicos e jovens produtores; e eu sou de uma geração que não gozou desse privilégio, porque não existiam palestras, não existia seminário de economia criativa, nada disso, eu aprendi fazendo. Então eu tenho o maior prazer de falar pra essa juventude, e eu quero desmistificar que o produtor é aquele que fica dando a coordenada em tudo, ele tem um compromisso e que você tem que fazer tudo, se você gerencia uma carreira, meter a mão na massa, literalmente. Mas são histórias divertidas, são histórias da música pernambucana, e principalmente nesses dois capítulos das turnês internacionais de Chico, um amigo meu me falou que a sensação que ele teve é como se ele tivesse embarcando na van com a gente, você sabe como as coisas rolam ali nos bastidores. Então é um trabalho não só pela memória do Chico, mas pra fazer com que a galera saiba onde ele chegou com a Nação. A gente atingiu o cume da montanha da música pop, a gente estava ali ao lado de grandes nomes da música pop daquele momento, como nós éramos também, e eu digo que nós éramos alpinistas amadores, mal agasalhados, mas que apesar disso conseguimos chegar no cume da montanha da música pop. Então o livro traz muito disso, né? E aí eu finalizo o livro dizendo o seguinte, meio que dizendo que não houve esse investimento da gravadora, eu digo que “não interessa o tamanho do veículo, mas sim a forma como se dirige”, que é um trocadilho com o título do livro. Enfim, desmistificar o papel do produtor também, que é mais do que só produzir. NN – Nestes teus mais de 25 anos de carreira como produtor, qual o momento relatado lá no livro que pra você foi mais importante, teve um impacto maior na tua vida, ou algum fato curioso que você possa adiantar pra gente? PP – Olha, eu falo muito das duas cenas que eu testemunhei nos Estados Unidos, o Fresh Metal com a metálica virando uma mega banda, e depois o funk-rock pesado COM O FAITH NO MORE, PRIMUS, O MORDRED aquilo pra mim mudou minha vida realmente, assim, virou uma chave, eu pensei que eu queria trabalhar com aquilo, aquilo era o que eu queria fazer pro resto da minha vida, e quando eu volto pra Recife, como eu era uma das poucas pessoas que a trabalha com isso, o Chico me convidou pra trabalhar com ele. Eu também acho que talvez se eu não tivesse esse passado recente nos Estados Unidos se eu não falasse inglês, se eu não tivesse já transitado de alguma forma na música, eu não teria o posto de gerenciador da carreira dele, então essas experiências foram incríveis, a vida continuou depois, infelizmente não pra ele, e eu também falo do Dj Dolores, eu falo do Cascabulho, da Cabroeira, outras bandas que eu trabalhei, que também circulei internacionalmente, realizei turnês com eles também. Hoje eu sou um motorista de turnês aposentado. NN– No livro você fala sobre a sua experiência com a turnê no exterior, o sucesso da Nação Zumbi. Como foi ser produtor de uma das bandas que marcou o movimento Manguebeat? PP – Olha, o mais incrível pra mim de ter sido o produtor dessa turnê histórica do Chico em 95, é que a gente não era nem samba, nem bossa nova, nem MPB, que eram os três gêneros musicais brasileiros mais conhecidos no exterior, e era até difícil rotular o som da banda, mas aquilo também foi o divisor de águas para uma nova música brasileira que se projetava internacionalmente, jovem, diferente de tudo que já havia sido conhecido por eles de música brasileira, né? Então foi incrível testemunhar aqueles momentos, tocar em grandes festivais, dividir o palco com gente..., né? Os encontros, a gente encontrou o David Byrne dos Talking Heads, conhecemos o cara do Ministry. Então, apresentar o Chico a esses caras, estar ali nos bastidores, a história que eu contei com CBGB que é um dos inferninhos mais famosos do mundo, que tem até um filme de Hollywood sobre a história do CBGB e do HILLY KRISTAL, então, a experiência de cruzar com esses personagens foi incrível. NN – Hoje no lançamento do livro, você estava falando que o Abril Pro Rock, o movimento undergroud, traz a luta pela permanência do movimento. Qual foi a importância do Abril Pro Rock pra cena Manguebeat? PP – Olha, eu diria que a cena Manguebeat foi importante pro Abril Pro Rock assim como o Abril Pro Rock foi importante pra cena Manguebeat também, porque quando o Abril Pro Rock começou nenhuma banda tinha gravadora, nenhuma banda tinha saído de Recife ainda pra tocar em outro estado. E aí logo depois Chico Science, Nação Zumbi e Mundo Livre SA viajam, vão tocar no sudeste, Belo Horizonte e São Paulo, já com as gravadoras assediando para assinar contrato, né? E aí no segundo Abril Pro Rock, o Chico já estava na Sony, e ai galera da Sony vem e já vê o Jorge Cabeleira, o “Da Lama ao Caos” fica pronto no segundo Abril Pro Rock, e no terceiro Abril Pro Rock o disco do Planet e do Jorge Cabeleira são lançados juntos pela Sony, a mesma gravadora do Chico. E ali começam as gravadoras a assistirem as bandas, gostavam... Os Devotos foi pra BMG, Penélope da Bahia foi pra Sony, e um pouco depois, no final dos anos 90, o Los Hermanos também creditam o Abril Pro Rock como um show importante para fazê-los chegar numa gravadora, né. Então ali começa uma movimentação. NN – Para finalizar, 30 anos de Manguebeat, como é que você vê o movimento hoje? O que podemos esperar para o futuro? PP- Olha, antes de mais nada, eu fico feliz porque tá todo mundo aí produzindo, todo mundo muito bem, obrigado, né? Tem o pós-mangue também que todo mundo continua aí, e eu vejo, como eu vi agora... Tem até uma matéria que saiu no programa Metrópoles da TV Cultura que eles me perguntam sobre hoje, e aí eu falo de grupos como Abolidos, Barbarize, uma banda chamada Janete Saiu Pra Beber que é do Cabo de Santo Agostinho que tem muita influência do Mangue, eu falo de muita gente que eu não tô lembrando agora, gente nova, e eu vejo como uma continuidade, né? E fico muito feliz em acompanhar. Então eu penso que a mensagem continua né, você vai no Recife, você vê Chico nos muros, influencia a galera do grafite, a galera das artes visuais, agora na FENEARTE, nossa, eu vi Chico de madeira, de barro, de ferro, de pano! Assim, você vê que o imaginário foi tão forte que visitando a FENEARTE eu queria ter dinheiro pra comprar tudo, consegui comprar algumas coisas, mas é impressionante como ele ainda inspira outros artistas, não só da música, a produzirem com essa influência, com esse universo como inspiração.

  • Uma cena em cima da lama

    Vídeo-ensaio realizado por Maria Clara Mendes e Sammy Quando Chico Science e a Nação Zumbi cantaram que só tinha caranguejo esperto saindo do manguezal, o recado estava dado: depois dessa galera, a música jamais seria a mesma. Os caranguejos com cérebro, liderados por CSNZ e Mundo Livre S/A, inspiraram uma geração e cristalizaram uma cena que apresentou para o mundo o que Pernambuco tem de melhor: as suas diferenças e uma pulsante pluralidade de ideias e sons. Considerando estas figuras centrais e protagonistas do que ficou conhecido como Movimento Mangue, apresentamos o vídeo ensaio ‘Uma cena em cima da lama’, realizado por Maria Clara e Sammy. Utilizando recortes de entrevistas, documentários, shows e clipes, o vídeo ensaio traz um pouco do Mangue por meio do que os próprios mangueboys têm a dizer.

  • “Chico falava isso, sobre diversão levada a sério e hoje a gente vê isso”

    Entrevista com Roger de Renor, por Nayara Nascimento “Cadê Roger, cadê Roger, cadê Roger, ô?” Vendedor, capoeirista, dançarino, empresário, ator, apresentador de rádio e tevê e produtor cultural. Roger de Renor, teve e tem um papel importante na movimentação da cena cultural pernambucana. São mais de três décadas dedicadas às artes. A história de Roger de Renor se confunde com a trajetória da cultura de Pernambuco e com a cena Manguebeat. Afinal, não tem como falar do Manguebeat sem falar da Soparia. Roger de Renor, dono do bar Soparia, lugar que foi um dos principais redutos do movimento manguebeat, conta como surgiu o bar, sua trajetória e perspectivas sobre o movimento. Nayara: Não tem como falar do Manguebeat sem falar da Soparia que se tornou praticamente uma sede do movimento. Como surgiu a Soparia e quais foram os desdobramentos dessa iniciativa? Roger: Eu brinco que a Soparia foi uma tentativa de viver sem trabalhar, depois eu descobri que viver sem trabalhar dá mais trabalho. Mas a Soparia era como se fosse uma festa na minha casa, eu sempre fui muito bom de festa porque eu conhecia muitas pessoas. Eu trabalhava com disco, era representante de uma gravadora de disco, conheci o pessoal da capoeira, fazia teatro e depois fui para o balé popular. Então quando eu deixei de ser representante de disco, eu sabia que daria certo vender ‘rango’ de madrugada e conciliando com a boemia, com a farra... Recife não tinha loja de conveniência de madrugada, tinha mercado público ou a porta da restauração, mas não era lugar feliz e sim de trabalho. A Soparia surgiu para isso, era uma festa todo dia e eu levava a sério isso, eu tava lá toda noite e cuidava de todos os detalhes menos do caixa (risos). Era um lugar muito aconchegante. No início não tinha músicos, começou com chorinho e depois passou a ter atração de segunda a segunda, exibição de clipes, de filmes, teatro, era um lugar muito diverso, ocupou um espaço de sede do Manguebeat e acolheu a galera na ida e volta dos shows, era um lugar muito livre. Nayara: Chico Science e Nação Zumbi foi uma das principais bandas que se consolidou no Brasil e conquistou um renome através do manguebeat. Quais outras bandas do movimento passaram pela Soparia e que conseguiram ter essa consolidação que a Nação Zumbi teve? Roger: Não digo exatamente que foi por tocar lá. Acho que a gente teve mais proveito do que as bandas. Por exemplo, Mundo livre e Nação Zumbi tocaram lá uma vez. Mestre Ambrósio fez temporada lá, tocou toda quarta durante dois anos, era um evento. O show de Chico e Mundo Livre S/A foi bem no começo da carreira deles. Muitas bandas tocaram lá. Chegou um ponto que teve uma banda, que eu não me lembro qual, chegou pra mim falando que ia tocar no Rec Beat em São Paulo, mas que nunca tinha tocada na Soparia e que queria tocar lá antes pra não chegar lá e ser a única banda que não tocou. Banda Eddie, Matala na Mão, todas as bandas da época e as que também por outros motivos não continuaram, mas se estivessem estariam se transformado também como essas, como o Cavalo do Cão, super importante na cena. Era muita gente do movimento que está aí hoje ou pararam por outros motivos. Nayara: A Soparia se tornou uma sede do movimento, era realmente um local que movimentava a cena. Você considera que hoje ainda é importante ter um lugar como esse funcionando como sede para a movimentação de uma cena musical? Roger: Sim, acho que o lugar físico é imprescindível, por mais que a tecnologia preencha o lugar da rádio, hoje por exemplo tocou uma artista e eu fui procurar ela no Instagram e eu já a conhecia por referência de outros músicos como Lucas Torres. Então hoje a gente tem a referência do algoritmo, mas ele não é honesto com a gente, não que os bares sejam, a gente não confia tanto, mas a confiança na pessoa humana que produz o lugar, o aconchego, o acolhimento para as pessoas irem e se encontrarem. Música é encontro. Tem outros lugares como o Terra Café e o outros que eu considero que são lugares bem importante pra nossa música. Outros institucionais como o Passo do Frevo, que são importantes e construídos também a partir dessa necessidade. Mas os lugares físicos continuam, talvez não como sede, ou inferninhos porque as coisas mudam, mas como espaços humanos de encontros e de assistir ao vivo, e agora com essa necessidade que a gente tem de lugares de pequeno porte, porque a gente tá cansado de palcos grandes que você ver nos telões. Antes da pandemia já tinha lugares pra 40 pessoas, mais acessíveis etc. E isso é massa porque você fideliza a galera e depois consegue multiplicar pelas redes sociais. Nayara: Olhando pros 30 anos do manguebeat, para toda a trajetória da soparia, você faria algo diferente? Roger: Tô respirando pra pensar não, mas pra não chorar. Com essa volta do FIG, se eu parar pra pensar eu me emociono. Eu teria estudado, daria tempo ainda. Mas eu tive uma experiência legal na época que eu fui chamado pra estudar era uma pauta pública que a gente discutia muito, fiz programas de rádio mesmo sem ter me formado, me assumir como comunicador, fiz vários programas de rádio… Essas experiências foram uma formação também, mas talvez com formação acadêmica eu também teria contato com outras pessoas e ia descobrir muitas coisas também, ia ser outro aprendizado. Nayara: O manguebeat surgiu através dos manifestos e críticas sociais, através do que a própria sociedade enfrentava. Você enxerga que o movimento continua com essas mesmas ideias? Roger: Eu não vejo mais o movimento como só musical, acho que a música serviu pra chamar atenção, mas hoje as causas tem mais alcances porque tem mais ferramentas. O Manguebeat sofreu com esse remédio que ele usou pra ter o alcance. A forma de comunicação era a MTV, eu fico meio assim quando vejo as pessoas falando e quase celebrando “ah, MTV tava chegando no brasil” e esquece a crítica sobre isso, a MTV clareou, embranqueceu o Manguebeat. O movimento tem pessoas brancas sim, mas o reflexo dele é negro, é periférico. A gente tem Chão de Estrelas e Peixinhos como a base, e isso se calou, Josué de Castro é um fundamento, por exemplo, mas passou a ser curiosidade. As pessoas dentro da comunidade hoje, que compõe, que faz manifestação, que faz grafitagem, tá ocupando os espaços no CAC, na Universidade Federal, muita gente do teatro, dança etc. Elas têm outra visão, são pessoas do Bode, Ilha de Deus, de Peixinhos... Fui fazer uma pesquisa sobre a galera de Peixinhos porque eu queria citar os nomes aqui e não lembrava de alguns, e eu encontrei várias monografias sobre o movimento lá, as bandas de lá, os lugares de diversão da juventude, muitos projetos acadêmicos e eu fiquei muito feliz com isso, isso é fruto do movimento Manguebeat. Nayara: Em relação aos 30 anos do Manguebeat, o FIG voltando depois da pandemia, o Som na Rural, quais foram suas expectativas e como está sendo vivenciar esses movimentos? Roger: Eu fiquei pensando nisso, desses 30 anos, e eu acho massa, é um planejamento pro futuro. Eu fico muito incomodado se alguém me falar que é uma homenagem. Eu não vejo como uma homenagem, eu vejo realmente como um planejamento pro futuro. Muita gente chega pra tirar foto comigo, a gente bate um papo muito de boa, é uma galera de 23, 24, 25 anos, não tem papo de que “poxa, meus pais te conheciam” não, geralmente os pais são mais caretas, quando eles estão juntos eu até brinco e tal. Enfim, eu tenho pirado com uma galera que é apaixonante, Barbarize e outras bandas novas. Ontem tava Joyce Alane tocando aqui um som muito foda e é música muito profissional, muito requintada e é uma galera jovem que consegue isso de uma forma muito séria, diversão levada a sério. Chico falava isso, sobre diversão levada a sério e hoje a gente vê isso. Então eu quero acompanhar esse planejamento futuro dessa turma, eu quero tá por perto, eu tô sempre querendo começar de novo, acho muito legal a gente sempre tá inventando coisa nova. Eu dependo da galera, de vocês, dos novos.

  • Especial 30 anos do Manguebeat

    Em 1990, de acordo com o Population Crisis Commitee, Instituto de Washington D.C, Recife foi considerada a 4ª pior cidade do mundo para se viver. Na época, Recife vivenciava um declínio econômico. Inconformados com a situação socioeconômica em que se encontravam, jovens pernambucanos promoveram uma revolução cultural a partir do Movimento Manguebeat, que misturava a cultura tradicional com a moderna, com sua diversidade sonora, simbolizada pela parabólica que está o tempo todo captando as mais diferentes referências. “Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto!”, “Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife”. Assim se estabelecia o movimento manguebeat, através do manifesto "Caranguejos com Cérebro” de 1992 pelo vocalista do Mundo Livre S/A, Fred Zero Quatro. O movimento mais tarde se tornaria um dos grandes acontecimentos da música brasileira da década. Em comemoração aos 30 anos de Manguebeat, a SPIA produziu um especial para comemorar junto com vocês esse movimento que ainda ecoa pelas ruas e traz estima aos pernambucanos. Em nossa sessão de entrevistas, Nayara Nascimento conversa de uma forma descontraída com dois nomes super importantes para a cena manguebeat; Roger de Renor, produtor cultural e dono do Bar Soparia, local que foi fundamental para a consolidação do manguebeat e Paulo André Moraes Pires, produtor de Chico Science e Nação Zumbi e criador do festival Abril Pro Rock. Na entrevista, relatam suas experiências, assim como o que esperam para o futuro da cena. No Vídeo-ensaio “Uma cena em cima da lama”, Maria Clara Mendes e Sammy, utilizam de recortes de entrevistas, documentários, shows e clipes, trazendo um pouco da cena Mangue por meio da visão dos próprios mangueboys. No podcast PodSpiar: Especial Manguebeat, Henrique, Ceres Maria e Daniel Nascimento trazem com muita leveza, uma série de episódios com diversos convidados que tiveram vivências no Mangue e que foram importantes para o movimento. Em “Manguefonia”, Mariana Gonçalves traz seu relato sobre o show em celebração aos 30 anos de manguebeat no 30º Festival de Inverno de Garanhuns. O projeto com concepção e direção de Jorge Du Peixe e Dengue, membros do Nação Zumbi, teve sua estréia pernambucana balançando a Praça Dominguinhos. e como bônus, uma playlist super especial com as músicas que rolaram no show. Em Uma Música Cascabulho, Maria Clara Mendes traça um perfil do Cascabulho a partir de uma entrevista com Magrão, vocalista do grupo. Trazendo um olhar sobre o surgimento da banda, a relação com o Mangue e a influência de Jackson do Pandeiro. Abra a mente e os ouvidos e boa viagem.

  • Matéria-documento e efeito sensorial na arte contemporânea e no cinema de Renata Pinheiro

    Falar da obra de Renata Pinheiro abrange um legado como diretora de arte, realizadora audiovisual e artista visual. A pesquisa ‘Matéria-documento e efeito sensorial na arte contemporânea e no cinema de Renata Pinheiro’, realizada por Iomana Rocha e Tainá Xavier, apresenta uma interessante análise do trabalho da artista pernambucana. As obras analisadas apontam para questões que envolvem o cinema e a arte contemporânea. Indicam memórias, afetos e possíveis leituras dos espaços e objetos a partir de estratégias imersivas que colocam o espectador em um devir instalação. Publicada pela Revista Graphos, idealizada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba, a pesquisa pode ser acessada no link abaixo: Matéria-documento e efeito sensorial na arte contemporânea e no cinema de Renata Pinheiro

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