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Jornada de Mc’s: fortalecendo a resistência e a representatividade das periferias de Pernambuco

Atualizado: 26 de out. de 2022

Indicação por Niny Nascimento


Evento da cultura do hip hop reúne artistas diferentes, mas que possuem narrativas que se encontram

Foto: Pedro Leão

Uma cultura inerentemente periférica, negra e de influência afro-diaspórica. Mesmo possuindo quatro elementos muito conhecido e difundidos pela mídia (o grafite, o MC, o DJ e o breaking) a cultura do hip hop se multiplica e ressignifica seus incontáveis signos a cada dia, tornando-se difícil definir-se em uma fórmula única. Quem observa ou até mesmo analisa o movimento não dando atenção ao seu caráter social, desconhece a sua história, ou melhor, a história de cada indivíduo que compõe todos os dias essa cultura, fortalecendo, educando, fazendo arte, resistindo.


A importância de dar o protagonismo aos próprios participantes dessa cultura se dá por meio do encontro dessas narrativas, das semelhanças e vivências pautadas na luta pelo reconhecimento e valorização das periferias. Essa observação se aflorou a partir do evento Jornada de MCs, realizado pela quarta vez no 30º FIG (Festival de Inverno de Garanhuns), em julho de 2022. Através de entrevista com o próprio fundador do projeto, DJ Big e também com pessoas que estavam na organização ou participando das competições e apresentações do evento, foi possível traçar linhas de encontro coletivo partindo de cada experiência individual.


Jornada de MCs e a sua Representatividade


O Jornada de MCs nasceu em 2005 no palco da Terça Negra, evento voltado para a difusão e visibilidade das culturas afro no Pátio de São Pedro, no bairro do Santo Amaro em Recife. Com o passar dos anos, o projeto se fortaleceu como um festival, dando oportunidade para diversos artistas de Pernambuco e também realizando oficinas e competições. Em 2017, em parceria com a Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE), conquistou espaço oficialmente no FIG. O Festival de Inverno de Garanhuns foi realizado pela primeira vez em 1991 e hoje reúne diversas vertentes artísticas como música, teatro, artesanato e literatura. Um evento como o Jornada acontecendo dentro de outro festival como o FIG, que recebe pessoas de todo estado, é o primeiro ponto interessante a se observar. Movimentos e projetos que nascem dentro das periferias geralmente são invisibilizados, justamente por vir de um local marginalizado pela sociedade e esquecido pelo Estado.

Questionado sobre o que representa um evento do hip hop acontecendo dentro do FIG, DJ Big comenta: “Pra mim representa a vida, mas também representa a luta. Não tem como desvincular uma coisa da outra porque, quando a execução do projeto tá acontecendo, a gente vê vida, mas, antes de ela acontecer, a gente tem a luta. O grande problema é a dificuldade de as pessoas entenderem que esse projeto, essa cultura, além de salvar vidas, mostra outros horizontes pra galera começar a focar. Seja na música, seja na literatura. Enfim, coisas que desenvolvem a mente do jovem”.

Zé Brown, integrante da renomada e pioneira Faces do Subúrbio foi um dos artistas a se apresentar no festival. Para ele olhar para trás e ver tudo que o movimento conquistou, se tornar uma modalidade olímpica por exemplo, é muito importante. Além disso, existir um evento como o Jornada dentro do FIG, é enxergar a possibilidade das pessoas conhecerem a cultura, participar e até mesmo desconstruir seus pensamentos equivocados em relação ao movimento. “É sempre bom dar continuidade ao que traz um rendimento importante, ao que dá um olhar para o futuro, respeito e compreensão do que é a cultura. A gente sofria muita repressão da polícia, discriminação, preconceito das pessoas que falavam que isso era coisa de marginal. Tô aqui em Garanhuns mais uma vez, pisando nesse tapete e parabenizando todo mundo, que está curtindo e produzindo esse festival.”



Okado do Canal, b-boy Tartaruga, b-girl San e Dj Big | Foto: Pedro Leão

A arte resistindo nas periferias


Se o que é das ruas e do povo preto é considerado inferior e não recebe o olhar que realmente merece, a valorização vem de dentro das próprias periferias. Algumas pessoas entrevistadas relataram que conheceram a cultura através de algum projeto dentro da sua comunidade. DJ Big citou que trabalhou com o Grupo Pé no Chão durantes anos. A ONG Pé no Chão é um projeto urbano e arte educador voltado para crianças e adolescentes. DJ Ronny, artista de 27 anos da comunidade do Arruda, Recife, também conheceu a cultura através da ONG. A cantora e compositora Nanny Nagô é de Jaboatão dos Guararapes e foi uma das artistas a se apresentar no Jornada. Nagô consumia rap junto com a sua família desde criança, mas passou a integrar a cultura de forma mais intensa quando conheceu o movimento CSA, no Cabo de Santo Agostinho. Conhecer o hip hop por meio desse tipo de projetos de propagação da cultura também é frequente na narrativa dos participantes.


Alguns movimentos são mais naturais, como o ato de assistir vídeos de breaking e depois passar a se reunir com os colegas nas ruas para treinar e estudar essa dança. Foi o caso do dançarino Akira Soul, de 27 anos. O hip hop se popularizou nos Estados Unidos na década de 70 e foi chegando aos poucos no Brasil a partir da década de 80. Nos anos 2000 ainda não existiam muitos conteúdos sobre a cultura como existem hoje, principalmente na internet. O que contribuiu bastante para a difusão do movimento no Brasil foi essa curiosidade aflorada através dos poucos vídeos e filmes que chegavam aqui.


Okado do Canal, apresentador da batalha de breaking do Jornada, hoje investe na carreira de MC e ator, mas iniciou na dança depois de assistir uma reportagem sobre a morte de Sabotage, um dos principais rappers brasileiros. Ficou curioso e começou a ouvir sobre a cultura dentro da sua comunidade, a favela do Canal em Recife, até chegar nos encontros de breaking que aconteciam na época.


Esse ato de consumir vídeos que chegavam de fora do país e começar a procurar conhecimento sobre algo novo também pode se caracterizar como um processo de resistência, visto que essas pessoas se desdobravam para entender e apreciar uma cultura mesmo sem ter acesso direto a ela inicialmente. O hip hop vence até a falta de acesso.


Lunático e Jason, vencedores da batalha de Mcs | Foto: Pedro Leão

A importância da cultura


O fruto de locais que vivem à margem da sociedade e esquecidos pelo Estado muitas vezes é a criminalidade. Como o próprio DJ Big comentou, o hip hop traz a possibilidade de os jovens da periferia se ocuparem com a arte e investirem em outros caminhos, rompendo estereótipos de “quem nasce na quebrada, não serve pra nada”. Para a rapper Nanny Nagô, a cultura é uma possibilidade da periferia não se limitar mais em algo único, além de incentivá-la a se descontruir. “Não tem como você cantar uma coisa e viver outra. O hip hop me ajudou muito com a minha construção de caráter. Se eu quero abrir mentes, eu tenho que construir primeiro a minha, tá ligado?”.

Okado do Canal conta que, infelizmente, alguns dos seus amigos que não tiveram contato com a arte hoje estão mortos, presos ou são dependentes químicos. O cantor diz que essa cultura contribuiu para que ele tivesse contato com pessoas conscientes que o ajudasse a salvar a sua vida. O MC conta que teve uma época sombria em sua vida, chegou a fazer algumas coisas erradas, mas que hip hop o abraçou, acolheu e o trouxe de volta. Ele também comenta que hoje aproveita a oportunidade de conquistar o mundo e passar as suas experiências para os jovens e adolescentes da sua comunidade que o tem como referência. Okado completa dizendo que a mídia geralmente vai para as periferias apenas para retratar morte e violência, mas que a cultura do hip hop vem justamente para romper essa perspectiva.


A cantora de Jaboatão dos Guararapes MC Agô, que também se apresentou no Jornada de MCs, conta que embora a polícia sempre faça abordagens nos eventos de hip hop dentro das favelas, o movimento traz a possibilidade de fazer protestos sem que haja um silenciamento efetivo. Além disso, ela também acredita que o movimento traz diversos benefícios para as comunidades trazendo consciência e a possibilidade de ter a arte como fonte de renda. Por fim, ressalta que diversos artistas que estão no topo hoje vieram de periferias. Negrita, atriz e rapper, moradora da cidade de Carpina e uma das apresentadoras no Jornada, diz que a importância da cultura se dá por meio do grito de liberdade expressado por meio dos quatro elementos (grafite, Dj, MC e breaking) e que a resistência do movimento dentro das periferias significa uma representatividade grande.


Um dos jurados da batalha de breaking do Jornada, o artista Thiago Cabral, mais conhecido como Takeone, não sabe onde estaria se não fosse o hip hop. O dançarino de Camaragibe acredita que a cultura seja uma forma se ressocialização e conta que de onde veio é comum familiares e amigos se envolverem com a criminalidade, mas que a arte o livrou desse meio. “Quando você conhece a dança, o breaking, você vicia, você foca e só tem olhos pra ele. O hip hop vem pra te dar um propósito. Ele simboliza tudo isso, os quatro elementos: paz, união, amor e diversão.”


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