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  • Foto do escritorRevista Spia

O terceiro ato da Nação Zumbi

Texto escrito por Leandro Ferreira


A efervescência de ideias no litoral pernambucano dos anos 90 trouxe consigo a rebeldia característica da juventude, expressa através do acolhimento das novidades propostas por uma contemporaneidade cada dia mais globalizada. As novas teias de movimentação de informação, a popularização das tecnologias digitais e possibilidades de ser-fazer se instalaram com sucesso entre as questões que atingiam os enérgicos habitantes desse Recife lisérgico, que se auto intitularam mangueboys e manguegirls.


É no cerne desse cenário caótico que emerge uma das principais potências que culminaram na formatação dessa conjuntura criativa. A Nação Zumbi marcava seu lugar no tempo de um Recife assombrado pelo desprezo às urgências dos seus jovens. É possível afirmar que desde aquela época, o grupo já dispensava apresentações: a criação do Manifesto dos caranguejos com cérebro cumpriu com êxito o papel de discernir os objetivos desse bando dissonante, herdeiros de um passado culturalmente irredutível, direcionados a um futuro inexplorado, no qual certamente fariam história.


A história da Nação Zumbi é indissociável a de Chico Science. Juntos estrearam seu primeiro álbum, denominado “Da lama ao caos”, no ano de 1994, considerado um disco de ouro por atingir vendas superiores a cem mil cópias. A participação do então vocalista na concepção do primeiro álbum da banda foi essencial com a tônica dos vocais inflamados desse maestro da cultura, que conciliaria as essências da música popular nordestina e as novas perspectivas oriundas dos ritmos vindos do norte, atingindo uma consonância ímpar.


Logo em seguida, o segundo projeto do grupo também surtiu efeito similar, obtendo um número de vendas tão alto quanto o anterior, sendo primordial para que Chico Science e Nação Zumbi se consolidassem enquanto expoentes da nova cena artística pernambucana, além das aspirações que cerceavam sua geração. Entretanto, apenas um ano após o lançamento de Afrociberdelia, Chico Science se encantou. Levou consigo a voz que exprimia os intentos de uma massa a qual representava, deixando uma lacuna que nenhum minuto de silêncio poderia ser capaz de preencher.


O primeiro disco idealizado após a ruptura da primeira fase é marcado pelo fim do luto e a busca por um recomeço. É nesse sentido que Rádio S.Amb.A, datado no ano 2000, apresenta Jorge du Peixe enquanto vocalista e demonstra a solidez das estruturas nas quais o grupo se ergueu. A virada do século atuou de maneira benéfica para o conjunto, permitindo a amplitude de gêneros da banda que logo em seguida se reinventaria dentro do rock e flertaria com o reggae, recompondo as tradições rítmicas que se desdobram no Nordeste.


Foto por @rafaelrar

A discografia traçada no ínterim dessa década é marcada pela pesada experimentação, essa que seria o elemento de elo nas obras concebidas durante a etapa, e que já é possível de se notar no destaque ao homônimo Nação Zumbi, lançado em 2002. Ressignificando as experiências que estão no escopo de sua denominação, abraçando referências à cultura pop oriunda das séries norte- americanas, e em um meneio de balanceamento, estipulando um retorno às tradições afro-brasileiras do Candomblé. A mobilidade do caminhar rápido dessa orquestra de instrumentos não usuais alcança os passos contínuos da globalização, andando ao seu lado, sem perder sua identidade.


Após 31 anos de atividades intensas, a banda anuncia um período indeterminado de hiato, para que os membros possam se dedicar a outros projetos. Ao final desse ciclo, pouco mais de um mês após a última apresentação da Nação Zumbi nos palcos, reverberam os ecos da musicalidade da banda que ousou alçar a ascensão para além dos manguezais da capital pernambucana. Cruzando rios, pontes e overdrives no mundo inteiro, as atemporais inquietações que atravessaram tanto as composições quanto o imaginário cultural pernambucano vão de encontro ao descanso merecido. Durante esse período, o ritmo compassado das batidas dos corações cujas vidas tiveram como trilha sonora a discografia do grupo, soletram a palavra saudade.


Enquanto os novos horizontes continuam incertos, e pairam as dúvidas sobre o porvir da Nação Zumbi, é preciso considerar que um hiato pode significar reticência ou ponto final, e a sonoridade incansável do grupo, repousa. É nesse momento de pausa dramática, capaz de remontar a distância entre as duas principais fases marcantes à constituição desse multifacetado aglomerado de talentos, que se ouve sibilar o tom que norteia a busca por novas notas que possam integrar a sonoridade do conjunto.

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