Leandro Ferreira¹
A 22ª edição da Fenearte reúne artistas das mais diversas localidades do Brasil e expõe suas obras em uma plataforma de divulgação de proporções ímpares, tensionando a linha tênue das concepções que tendem a diferenciar arte e artesanato, o evento apresenta provocações que se debruçam sobre a criatividade de pessoas plurais, atravessadas pelos desdobramentos de suas próprias cartografias e ensejos. Homenageado na escolha temática do evento, o movimento manguebeat está representado na totalidade das concepções estéticas que se teatralizam desde os portões de entrada. Em seus recém-completados 30 anos, é possível afirmar que o manguebeat se remonta na figura de um adulto que atua enquanto inspiração essencial aos jovens movimentos que buscam penetrar o panorama cultural pernambucano.
Transitando entre caranguejos, detritos originários dos manguezais e grandes paredes de texto que didaticamente aclimatam o ambiente em uma atmosfera de mangue, o público é a todo tempo lembrado dos signos que povoam o imaginário relativo ao manguebeat. Em uma festa de aniversário cuja temática é o próprio aniversariante, a celebração às possibilidades que manifestam-se através do mangue norteia os olhares mais incautos às narrativas que formatam seus conceitos estéticos.
Recebidos logo na entrada por um grande corredor cujas paredes são construídas através dos estandes que expõem peças essencialmente pernambucanos, é possível notar no artefatos reunidas, o contexto de artistas em suas diversas linguagens, se estendendo sobre o escopo da escultura, do bordado, da pintura, e a tapeçaria, dentre diversas outras incontáveis expressões da produção criativa. Se concebe nesse entorno um festim destinado a visão, incontestável aliada das experiências dos transeuntes que transitam pelo ambiente labiríntico das ruas construídas no Centro de Convenções. Nesse cenário repleto de estímulos sensoriais e enredos que se desembaraçam por entre as passagens do local, os visitantes assumem o papel de Teseu ao caminhar despretensiosamente pelos caminhos traçados pelas estruturas do espaço, explorando intuitivamente o que lhes apetece aos seus sentidos e descobrindo possibilidades outras de interesses.
A presença dos folguedos tradicionais proporcionam a tônica musical da celebração, estão dispostos os ritmos que inspiraram a musicalidade do manguebeat. Entre maracatus, afoxés e blocos líricos, figuram espetáculos à parte, expressões da cultura popular cujas particularidades carnavalizam as interações com as pessoas ao seu redor. Enquanto isso, a atenção do público se divide entre os sabores dispostos na praça de alimentação, e os festejos se dimensionam enquanto sinestésicos: visão, olfato, tato e paladar operam em consonância para a formatação do deleite dionisíaco.
A moda adquire o caráter de partícipe da festividade a partir das passarelas, o desfile intitulado “Inconsciente Coletivo”, realizado no dia 15/07, organizado pelo LabModa, integrante da UFPE, localizado no Campus Acadêmico Agreste, reverbera a ousadia do manguebeat ao introduzir peças e composições que buscam referências nas origens do movimento. Abrindo alas com a música “Monólogo ao pé do ouvido”, de Chico Science e Nação Zumbi, a coleção apresentada não deixa qualquer sombra de dúvida sobre seus intentos, modernizar o passado pode ser também uma evolução que concerne à moda.
Modelos que calçam luvas em formato de garras de caranguejo e adornadas por modelagens descoladas ao corpo transitam por cima das passarelas em passos suaves, mesmerizando uma audiência cujos olhos permanecem vidrados em suas roupas, exceto quando os direcionam aos registros que cristalizam esse momento. Utilizando-se de uma linguagem pautada nas cores sóbrias, o primeiro ato do desfile pavimenta seu caminho com referências ao animal que encabeça o movimento do mangue, é a partir dessas composições que a modelo adquire uma relação totêmica. As referências às letras das músicas entoadas por Chico Science também estão dispostas aqui, tal qual as problemáticas que circundam o entorno do instante que origina o movimento, perpetuadas na cronologia do tempo, na contemporaneidade.
O segundo momento da apresentação é marcada pela introdução às referências que tangenciam as tradições populares e os ritmos que são desdobrados nos arranjos do manguebeat. Enquanto o branco atual de plano de fundo para a franja vermelhas da blusa que veste a modelo, e remete aos caboclos de lança, símbolos máximos do maracatu rural, a tipografia ousada que grava a palavra “anamauê” nas pernas da sua calça intuem a adição da lírica improvisada por Chico Science em “Maracatu Atômico”.
O resultado dessa ordenação gradual não poderia resultar se não em uma modernização da estética do mangue, representativa de uma tropicalidade estritamente pernambucana. Figuram nessa sessão, o emprego de adereços compostos por miçangas de origens naturais, assim como as cores dinâmicas e brilhantes, como laranja e amarelo remontam os aspectos formais e tonais dos crustáceos adotados enquanto signos do manguebeat. Os looks despojados atingem sua potencialidade máxima e estabelecem com firmeza paralelos facilmente reconhecíveis.
A atual edição da Fenearte continua suas atividades até o dia 17/07, sendo indispensável a visita aos que desejam cultivar a percepção atenta aos novos sentidos proporcionados por intermédio das diferentes linguagens presentes em seu contexto, assim como ampliar suas perspectivas sobre as artes, ou, apenas se lançar em festa.
¹ Leandro Ferreira é graduando do curso de Design pela UFPE/CAA e faz parte da equipe da Revista Spia.
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