Texto escrito por Géssica Amorim
Nascido na Fazenda São Gonçalo, zona rural de Betânia, no Sertão do Moxotó, o poeta, escritor e compositor pernambucano Walmar Belarmino de Souza, desde menino, teve oportunidades, interesses e ambições diferentes das dos seus outros quinze irmãos, filhos de outros relacionamentos de seu pai, José Belarmino.
Ainda rapaz, Walmar deixou a fazenda São Gonçalo e se mudou com a sua mãe, dona Dermina de Souza, para a cidade de Sertânia, onde teve contato direto com a música e com a poesia. Cresceu, fez amigos, acumulou referências e se mudou para o Recife. Na capital, ingressou na Faculdade de Direito do Recife e também foi produtor da TV Pernambuco. Por
lá, ainda participou de vários festivais de música e poesia, como o Femusic, Pernambuco Música Hoje, Frevança e Recifrevo, do qual foi vencedor em 1990 com o frevo “Bloco da Lama”. Em 1992, foi finalista do Festival da Record com “Maracatucando as dores de Olinda”.
Walmar Belarmino era conhecido pela sua preocupação social e pela sua defesa da música pernambucana. Em 1993, lançou o seu compacto ``Rebentando", com as composições “Clareia (uma toada nordestina)”; “ Lua no Céu (baião)”; “Quero, Quero”e "Tô Chegando". As suas canções também foram gravadas por artistas como Alcymar Monteiro, Novinho da Paraíba, Marinês, Trio Nordestino, Nando do Cordel, Flávio José e Cristina Amaral. Como parceiros de composição, teve Wilson Freire, Antônio Amaral e Maciel Melo.
Na literatura, Walmar estreou em 1991, lançando o livro “Gonzaga, Fole e Baião - Pinto, viola e Canção”, inspirado na vida e obra do grande Luiz Gonzaga, rei do baião, e na sua convivência com o poeta Pinto do Monteiro. Em seguida, veio o livro de poemas “Canção Rurbana”, lançado em 1996, cujo conteúdo fala diretamente da sua vida no sertão e na capital. O seu terceiro e último livro publicado foi “Estatuto Pé no Chão da Criança Mauricéia”, que apresenta uma crítica à situação da vida das crianças moradoras de rua do Recife à época em que foi produzido e lançado.
Refém de algumas frustrações artísticas e amorosas, o poeta se perdeu. Caiu no alcoolismo e na depressão. No dia 14 de outubro de 1997, morreu vítima de afogamento no mar da praia do Janga, em Paulista, litoral norte do estado. Em homenagem a ele, o seu amigo Maciel Melo, cantor e compositor, compôs o sucesso “A poeira e a estrada”. Walmar não chegou a ouvir a canção.
Walmar era meu tio, irmão da minha mãe, Maria de Fátima. Mesmo sem um contato frequente com os seus familiares que ficaram no sertão, a história dele sempre fez parte das nossas conversas em família. Eu cresci com essa referência, com a ideia e a imagem de um tio que foi pra longe, escreveu livros, compôs músicas e viveu de maneira livre e mais alegre que nós.
Fotos: Géssica Amorim (Acervo pessoal).
Mesmo sem tê-lo conhecido pessoalmente, de alguma forma Walmar foi e é uma pessoa presente na minha na minha vida. Há alguns anos, comecei a procurar pelos seus amigos e por pessoas que conviveram com ele para buscar histórias e informações que nos aproximassem mais. Sempre lamentei não ter tido a oportunidade de uma conversa. Tenho coisas para perguntar, para contar, celebrar e pensei em escrever a respeito de tudo isso aqui, como se Walmar pudesse ler o que escrevo e também pudesse me responder de algum lugar.
Compartilho as questões:
Titio, faz quase dez anos que eu decidi começar a procurar pelo que nunca soube a seu
respeito. Fui atrás dos seus amigos, dos seus conhecidos, dos seus romances e até andei
por lugares por onde você andou. Só que, de um tempo pra cá, passei a refletir sobre a
invasão dessa procura - sim, porque afinal você escolheu ir embora e manter um
contato mínimo com os que ficaram por aqui. Queria saber: essa busca te incomoda?
Eu tenho permissão para me aproximar?
Eu comecei com essa questão porque me era mais urgente, mas quero dizer que a
conversa também correrá por outros temas, além dos assuntos familiares que nos
envolvem. E, seguindo, queria saber de você sobre os lugares pra onde a música e a
poesia te transportaram. Como foi chegar ao Recife pela primeira vez? O que te
esperava nesse lugar?
O seu trabalho, Walmar, tem muito do sertão que você deixou, das suas memórias, mas
também tem muito do que você enxerga ao seu redor vivendo na capital. Dá pra notar
uma grande preocupação social em alguns dos seus poemas no Canção Rurbana - que é
justamente um produto desses dois universos em que você viveu. O “O Suco do Guri”,
por exemplo, aponta essa preocupação social de que falo. O que você via enquanto o
escrevia? Alguma situação específica te levou a estes versos?
Música, poesia, prosa. Você chegou até a trabalhar com televisão, enquanto produtor da
TV Pernambuco. Mas, e o cinema, Walmar? Que espaço os filmes tiveram na tua vida?
O que você gostava de ver? Você via filmes?
Voltando à questão da minha busca pela sua história, titio, um de seus amigos me disse
que você tinha algum incômodo com a sua voz, com o seu timbre. Isso é verdade? Se
sim, o que te incomodava na sua voz?
Infelizmente, você não chegou a gravar um CD, como tanto quis. Mas gravou o
compacto Rebentando - do qual, inclusive, ganhei uma cópia de um de seus amigos de
Sertânia. A sua música ficou gravada, eternizada nesse disco. O que isso te trouxe de
bom? Quais foram as sensações?
A sua partida foi precoce, trágica e nebulosa. Até hoje não sabemos direito como tudo
aconteceu. Não sabemos se foi um acidente, se foi da tua vontade. O que aconteceu
naquele dia? O que acontecia nos seus últimos dias? Você sentia que eram os últimos?
Titio Walmar,
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