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“Eu abro neste filme um espaço para que eu possa falar de amor, para que eu também possa me colocar"

Atualizado: 16 de fev. de 2023

Entrevista e perfil por Sammy.



Natara Ney

Amor, tempo e memória. Esta é a essência da história do documentário longa-metragem “Espero que Esta te Encontre e que Estejas Bem" da diretora, roteirista e montadora, Natara Ney.


A pernambucana, formada em jornalismo pela Unicap - PE, cursou Teoria da Montagem na Universidade de Brasília. Em 1993, mudou-se para o Rio de Janeiro onde vive até hoje e trabalha como montadora. Como editora, Natara é reconhecida pelos trabalhos em “Tainá 3” e “Desenrola”, de Rosane Svartman; “O Mistério do Samba”, de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor; “Todas as Mulheres do Mundo” e “Separações”, de Domingos de Oliveira; como também nas séries de televisão “Ó Paí, Ó”, de Monique Gardenberg e “Novas Famílias”, de João Jardim, e no documentário “Divinas Divas”, sobre a primeira geração de artistas travestis brasileiras, dirigido pela atriz Leandra Leal. A cineasta negra também dirigiu o curta “Um Outro Ensaio”, sendo este premiado em festivais de Gramado, Rio e Triunfo, o documentário “Cafi”, premiado no Brazilian Film Festival em Los Angeles e o documentário longa-metragem “Espero que Esta te Encontre e que Estejas Bem".


Na 7ª edição do festival VerOuvindo, no Campus Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco, localizado em Caruaru, foi realizada a sessão especial do documentário “Espero que Esta te Encontre e que Estejas Bem" com audiodescrição, contando com a presença da diretora para uma rodada de bate-papo. O documentário conta a história sobre um lote com 110 cartas de amor que foi encontrado em uma Feira de Antiguidades, todas escritas por uma moradora de Campo Grande/MS para o seu noivo no Rio de Janeiro. Durante 2 anos, 1952/53, ela relata sobre a paixão e a distância. A partir desta descoberta, uma investigação se inicia para localizarmos este casal apaixonado e descobrirmos o desfecho do romance.


Cena de Espero que Esta te Encontre e que Estejas Bem. Direção: Natara Ney

Após a reprodução do longa e de tirar um pouco de lágrimas e relatos reais das vivências do público, Natara conversou com a Revista Spia sobre a concepção e a produção do documentário. Além da sua experiência como diretora, roteirista e montadora.


Sammy (S): Sua vasta experiência e seu trabalho como roteirista e montadora são amplamente conhecidos, mas como foi o processo de filmagem do longa-metragem, agora no papel e diretora?


Natara Ney (NN): Depois desse e até durante esse projeto, eu dirigi outros projetos pequenos. A minha formação como montadora me ajuda muito, porque quando eu vou para o set eu tento ter o máximo possível previsão, eu decupo todas as cenas antes de filmar, por exemplo, nesse projeto aqui, eu fui na feira de antiguidades várias vezes, porque ela foi muito filmada. É uma feira muito conhecida no Rio de Janeiro e eu não queria fazer só uns planos da feira, eu queria que cada plano tivesse um sentido. Então ia muito como o Felipe lá, ficamos passeando, olhando as barracas, até que descobrimos que a melhor forma de filmar seria como se alguém tivesse procurando coisas e ao invés de filmar-la era de frente. Filmamos através de espelhos, através de buracos, para gente dar uma visão de dentro da feira pra fora, a gente tentava ser o olhar de quem estava ali dentro.

Então a minha formação de montadora faz com que eu vá para o set como tudo muito decupado, anotado, pensado. Claro que no set de filmagem vamos nos deparar com inúmeras variações, mas eu tento fazer o mais decupado possível, mais desenhado possível, para que se ocorrer alguma variação, eu tenha pelo menos alguma base para onde caminhar. Eu não gosto de ir para o set, achando que vou chegar lá e vou ser a “criativa”, não sou a criativa, a minha criação acontece antes. Até porque o set já vai ter isso, nos preparamos para uma dia de sol e acaba chovendo, nos preparamos para um dia de chuva e faz sol, então se você não tiver tudo muito pensado como quer, você nem acha uma solução de como conduzir as cenas, porque eu também não quero chegar lá com 300 horas de material filmado que você termina nem usando. A minha experiência como montadora faz com que eu pense muito antes de filmar, é isso que me ajuda muito, pensar no que eu quero, quem vou entrevistar, o que eu quero daquela pessoa, porque já está tudo mais ou menos previsto, eu preciso saber o que tirar daquela pessoa, para que tudo que venha, venha como lucro.


S - Você é formada em jornalismo pela Unicap de Pernambuco, poderíamos dizer, então, que a busca pelo paradeiro do casal pode se assemelhar como uma investigação jornalística?


NN - O jornalismo foi quem me deu esse sul pra eu pensar “Isso é uma matéria, eu encontrei as cartas e preciso saber o que aconteceu com eles”. O jornalismo foi uma base, mas era sobre amor, sobre memória, então a jornalista foi se diluindo na pessoa que está narrando aquela história, o tema não me permite uma concisão, sabe. E a cada coisa que eu descobria, eu chegava a conclusão que não tinha como ser cartesiana nesse processo, porque você imagina: você vai pra uma cidade, que era quase o oposto do lugar onde você nasceu, que foi o que aconteceu como o personagem Osvaldo, ele nasceu no Ceará e foi embora para o Rio de Janeiro, do Rio ele foi enviado para o Mato Grosso do Sul e ele se hospeda em um hotel que fica em frente a casa da mulher por quem ele se apaixonou, casou e viveu por 60 anos, o jornalismo não cabia essa narrativa, eu poderia ter seguido esse caminho da narração jornalística e ter contado a história de maneira mais didática, mas para mim esse formato não cabia.

O jornalismo também foi o sul na hora de montar a equipe, porque eu sabia que ia precisar de uma certa agilidade, então já conversei com o fotógrafo, com a produtora, com o assistente de câmera e com o técnico de som e a nossa equipe era isso, cabia todos em um carro. O jornalismo me deu a base para saber conduzir o projeto com o mínimo de pessoas possível. Mas a partir do momento que eu me deparo com a emoção, a partir do momento que cada pessoa que tocava nas cartas e abria sua própria vida para mim, o jornalismo foi se diluindo e foi virando uma coisa mais poética.



Trecho de carta em Espero que Esta te Encontre e que Estejas Bem. Direção: Natara Ney

S - Estamos vivendo um momento onde as relações e relacionamentos vêm e vão de maneira muito rápida, “Espero que esta te encontre e que estejas bem” pode ser um respiro de alívio, um lembrete para desacelerar?


NN- Eu acho que é um lembrete para sermos mais honestos nas nossas relações e pararmos de impor tantas regras, nós colocamos muitas regras nas relações. Eu tenho estudado muito sobre afeto para uma nova série que estou fazendo, que é sobre amor preto e o que acontece, a gente, todos nós, fomos educados para entender que o amor é de uma certa forma e que alguns corpos são possíveis de ser amados e outros não, e que o amor certo é aquele que as pessoas se casam, moram juntos e tem tantos filhos, quase como uma fórmula e não é assim, somos diferentes e cada um de nós vai sentir e demonstrar o amor de uma forma, então acho que o filme mostra que é possível amar e demonstrar várias forma de amor. Nos faz pensar também, o que queremos quando estamos nos relacionando. Eu quero me sentir bem, eu quero me sentir acolhida e respeitada, eu quero me sentir livre, eu quero me sentir pertencendo a aquela relação, eu não quero ter medo do meu companheiro, eu não quero ter que fazer coisas só para agradar meu companheiro ou minha companheira. O filme nos provoca a pensar em afeto e em como queremos nossas relações e não apenas a fórmula que nos é dita como certa.

Eu fiz esse filme para falar de amor, porque eu cresci não me vendo nos filmes, séries ou novelas sendo amada. Meu corpo, meu cabelo crespo, minha bunda grande, meu peito grade, claro, eu falo isso na minha vivência, eu tenho 55 anos, agora podemos ver outros símbolos, outras mulheres, você vê a Preta Rara, você vê a Jojo Toddynho, MC Carol, você vê mulheres com outras corporalidades falando de amor, tesão e afeto. Eu não vi isso na minha formação. Então eu abro neste filme um espaço para que eu possa falar de amor, para que eu possa me colocar e dizer que é possível e que o amor existe para todos os corpos. Eu acho que essa é a grande reflexão que temos que fazer.



S - A produção cinematográfica nacional tem atravessado momentos delicados nos últimos anos, praticamente um desmonte. Dessa forma, como você enxerga o futuro do cinema?


NN - Como eu enxergo o futuro do cinema [...] precisamos respeitar as políticas públicas, principalmente as políticas públicas de inclusão, os editais precisam ser inclusivos, a gente tem que lutar por isso. Precisamos lutar para que exista cinema em Caruaru, para que tenha cinema em Triunfo, para que tenha cinema em Belo Jardim, para que tenha cinema em Arcoverde. Temos que lutar para que as cópias circulem, temos que lutar para a formação de profissionais negros e negras no Brasil e temos que fazer com que essas coisas sejam políticas públicas inclusivas, então eu enxergo o futuro do cinema ainda com muito trabalho a ser feito.


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