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- Tatuagem: de dentro para fora, um estudo do processo de criação a partir do roteiro do filme
Por Marcos Antonio Neves dos Santos. Seq.01 Passado I (memória/interna/ cor viva/ som direto) Fazia cerca de três ou quatro meses que havia me formado, estava sentindo aquele mal estar típico de quem acabou de terminar o curso caracterizado por um certo alívio misturado à angústia. Algumas perguntas em mente, a primeira era: E AGORA? A segunda pergunta eu revelo no próximo parágrafo. No que diz respeito ao dinheiro... bem, consegui fazer uma reserva acumulada durantes alguns estágios, freelas e uns roteiros que tinha feito para publicidade. Somado a isso tinha uma bolsa oriunda de um curso de Pós-graduação em Jornalismo e Crítica Cultural na UFPE, lá eu fazia serviços administrativos e tinha como chefe o bonachão Zé Carlos, que entre uma planilha de excel e outra, conversávamos sobre A Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém, Lula Côrtes, Ave Sangria, movimento Super8, Teatro Vivencial Diversiones, dentre outros assuntos da contra cultura Pernambucana. (corta) Seq.02 Passado II (memória/interna e externa/ cor viva/ som direto) Olhar o comercial na televisão e ver o meu roteiro literalmente sumir, gerava em mim uma grande angústia, mas pensava: é publicidade, deve ser assim mesmo. Contudo, ter que dizer à um brother para tirar o meu nome de um curta porque o roteiro que havia escrito virou pó, já era outra história, e me levava a uma outra pergunta: como um roteiro vira filme? Minto, há mais duas perguntas: será que é assim mesmo que rola? Ou será que eu não sei escrever? Só me restava estudar, pesquisar. (flashforward) Passei a assistir as sequências de filmes e tentava roteirizá-las, depois comparava com a versão original. Ou lia os roteiros antes de ver os filmes e posteriormente tentava realizá-los imageticamente em minha cabeça. Não raro esses roteiros eram de autoria de Hilton Lacerda. Tal contato aumentou ainda mais a minha admiração pelo roteirista. Ao comparar o filme com o roteiro, e vice-versa, inúmeras indagações surgiram e uma delas era: como o roteiro de Hilton vira filme? Como ocorre esse processo? Realizar essa pesquisa me pareceu um caminho natural, tendo acabado de sair da universidade, voltar para a UFPE com mais autonomia e com uma bolsa de pesquisa (outros tempos) seria um sonho! Seq.03 Brodagem (Em toda esquina/externa/cor- som direto) Por intermédio de um amigo, Jerônimo Lemos, soube que Hilton Lacerda iria realizar o seu primeiro longa-metragem, o qual seria gravado em Olinda. O filme se chamava Tatuagem e se passava nos anos 70. Era uma história de amor entre um soldado do exército e um líder de uma trupe de teatro. Após conversarmos um pouco, cheguei à conclusão de que uma das formas de compreender como se daria essa passagem do roteiro para o filme seria indo ao set e acompanhando o processo ocorrer diante dos meus olhos. Não demorou muito para que eu lançasse a ideia de acompanhar o filme para o professor Paulo Cunha, que viria a ser, mais à frente, o meu orientador no mestrado, e que me deu todo o apoio para que eu me lançasse na empreitada, e também para Jerônimo Lemos, que coincidentemente é sobrinho de Hilton Lacerda e estava trabalhando como terceiro assistente de direção no filme. Jerônimo foi responsável por fazer uma verdadeira ponte de ligação entre mim e Hilton Lacerda, que prontamente apoiou a minha ideia. Ele me forneceu o roteiro do filme, e foi aí, no momento da leitura do roteiro, que vim saber que o filme tinha como referência afetiva o Vivencial Diversiones. ( corte) Seq.04 Sobre os afetos (Em toda esquina/externa/cor- som direto) Se o cinema é uma arte de irmãos (parafraseando Lírio Ferreira, que teoricamente parafraseou os irmãos Lumiére, lendas pernambucanas), acredito que a pesquisa também é. Eu só sei fazer pesquisa e cinema com os meus amigos, com quem gosto e pelos objetos que estou apaixonado, por isso aceitei com felicidade ao convite de Amanda Mansur, que também acompanhou muito desse processo, para partilhar com vocês essa dissertação que mais do que a compreensão do processo criativo do tatuagem, visa, dividir as aventuras, as paixões e o eterno devir da pesquisa. Boas leituras. Sobre Marcos Santos: Doutorando no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (2019). Membro integrante do grupo de pesquisa Cultura e Subalternidades: epistemologias da subalternidade no cinema brasileiro contemporâneo (2020) Mestre em Comunicação (2014) pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduado em Comunicação Social (2010), com ênfase em Radialismo e TV, pela UFPE. Trabalhou como professor dos cursos de Cinema e Radialismo tv e internet, nas faculdades integradas Barros melo- AESO. Foi professor dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda no Centro Universitário Joaquim Nabuco - UNINABUCO. É professor substituto do instituto federal de educação, ciência e tecnologia da Bahia, Campus Santo Antônio de Jesus. Link da Dissertação: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/17183
- Novidade, imaginário e sedentarização: o espetáculo cinematográfico no Recife (1896-1930)
Em 2014, enquanto cursava o curso de História pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), resolvi frequentar algumas disciplinas no departamento de Cinema. Dessas disciplinas, uma me chamou atenção: Cinema Brasileiro, ofertada pelo professor Paulo Cunha. Ao participar de suas aulas, iniciei um processo de aprendizado sobre a História do Cinema Brasileiro, onde pude conhecer melhor sobre esse campo de pesquisa. Ao ampliar as leituras fui me interessando pelo período denominado Cinema Silencioso. Li obras hoje consideradas seminais para compreender minimamente como o cinema tinha chegado e se difundido pelo Brasil. Percebi que já existia uma significativa bibliografia sobre essa temática nos estados do sudeste e sul, resultando em dissertações, teses, artigos e livros. A partir desse ponto, comecei a buscar obras que narrassem a história do cinema em Pernambuco, saindo do espectro macro e indo para o local. À medida que estava pesquisando sobre o período silencioso no Recife, observei que não havia quase nenhuma obra sobre quais ou quando os equipamentos cinematográficos tinham desembarcado nessa cidade. A maioria dos estudos focava no Ciclo de Recife, dando poucas informações sobre o que ocorrera antes. Foi, portanto, neste momento que encontrei meu objeto de investigação, compreender como ocorrera a inserção do cinema no período de itinerância, da sua chegada até o funcionamento das primeiras salas. Tendo como principal fonte os jornais da época, inferi que a partir de 1896, Recife começou a receber equipamentos cinematográficos. Por meio desses vestígios foi possível localizar em quais lugares aconteciam essas exibições, quem eram as companhias que ficavam por alguns dias na cidade, textos informativos da imprensa sobre as sessões, bem como possíveis filmagens produzidas e exibidas em lugares adaptados para tal finalidade. A pesquisa analisou um período de 13 anos, até 1909, quando a primeiras salas especificas foram criadas, a Pathé e a Royal. Ou seja, verificamos o inicio do processo de inserção do cinema em Recife. A dissertação foi defendida em agosto de 2018, na UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), no programa de Pós-Graduação em História. Nela, pude dar contribuições significativas para o período silencioso em Recife. Esta obra é fruto de seu tempo, hoje observo limitações em sua análise, bem como, lacunas ainda por serem preenchidas. Mas o ofício do historiador não seria esgotar essas lacunas, mas sim conceber e proporcionar outras reflexões e problematizações a cerca de seus objetos de estudo. Espero que esse texto possibilite novas ideias e questões para que possamos enriquecer a História do Cinema em Pernambuco. Sobre Felipe Davson: Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi mediador e pesquisador da Cinemateca Pernambucana. Co-dirigiu e produziu o Curta O colecionador (2020). Atualmente desenvolve pesquisas sobre a História do Cinema em Recife no período silencioso, com ênfase na formação de uma cultura cinematográfica e como tal processo se constituiu nessa cidade. Link da Dissertação: http://www.tede2.ufrpe.br:8080/tede2/handle/tede2/7807
- A Palhaça
"A Palhaça" (2021), curta produzido por Dayane Jeniffer, foi livremente inspirado no curta-metragem "O Palhaço Degolado" (1977) de Jormard Muniz de Brito. O filme relata as complicações do Brasil atual, como era também na época de Jomard.
- Roupa de Cinema: Uma análise da produção cinematográfica pernambucana pela perspectiva do figurino
Organizado pela figurinista Ana Cecília Drumond, o livro estará disponível para download gratuito a partir de 15 de maio, em formato e-book, no site da editora Vacatussa. Com o objetivo de pensar o audiovisual pela perspectiva do figurino, a figurinista Ana Cecília Drumond desenvolveu o livro "Roupa de Cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano". Dividido em duas partes, o livro conta com depoimentos de profissionais figurinistas e artigos de pesquisadores do assunto. A obra traz um panorama do cinema pernambucano realizado nas últimas três décadas, com referência a 59 produções audiovisuais feitas no estado. Das quais 35 são analisadas pelos figurinistas, revelando conceitos e detalhes de bastidores, usando como exemplo obras premiadas como Bacurau, Tatuagem, Amarelo manga e Cinema, aspirinas e urubus. Ao todo, 10 figurinistas que trabalham no cinema de Pernambuco foram entrevistados por Ana Cecília e Julio Cavani. São eles: Beto Normal, Andrea Monteiro e Paulo Ricardo, profissionais presentes no início da retomada do cinema pernambucano. Além de Babi Jácome, Libra, Rita Azevedo, Chris Garrido, Sosha, Maria Esther de Albuquerque e Joana Gatis. Nos depoimentos, eles falam do começo de suas trajetórias, suas formações, processos criativos, métodos de trabalho, o papel do figurino na construção narrativa e as soluções encontradas em meio às dificuldades para se adequar aos limites de tempo e orçamento. Roupa de Cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano" será lançado, no dia 29 de maio, às 16h, através de uma live no Instagram, com a organizadora Ana Cecília Drumond, o jornalista Julio Cavani e o pesquisador André Antônio. A transmissão será feita pelo perfil da editora @vacatussa.editora e do projeto @roupa_decinema. Os interessados em adquirir o livro, ele estará disponível para download gratuito a partir de 15 de maio, em formato e-book, no site da editora Vacatussa (www.vacatussa.com.br). Projeto viabilizado pela Lei Aldir Blanc. Serviço: Live de lançamento do livro Roupa de Cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano Data: 29 de maio Hora: 16h Onde: Instagram da @vacatussa.editora e @roupa_decinema Sobre ANA CECÍLIA DRUMOND: Participou diretamente da construção visual do frutífero momento atual do cinema pernambucano como figurinista de filmes de importantes cineastas da nova geração, como Tuca Siqueira, Felipe André Silva, Marcelo Lordello, Juliano Dornelles, Daniel Bandeira, Pedro Sotero e Tião. Trabalhou também como assistente em longas como O som ao redor (2012) de Kleber Mendonça Filho e Boi neon (2015) de Gabriel Mascaro. No mercado audiovisual, atuou ainda em campanhas publicitárias e foi figurinista do episódio-piloto de Delegado (2018), série de TV da Trincheira Filmes. Em 2017, fez curso de figurino na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba. Em oficinas, foi aluna de profissionais de referência,como Luciana Buarque, Jum Nakao, Beto Normal e Hubert Arvet-Thouvet. Nasceu no Recife e é neta de costureira.
- A arte contemporânea e híbrida de Flávio Emanuel
Transgressora, polêmica, híbrida, multimídia, livre, abstrata. Essas são algumas palavras que poderiam descrever o trabalho do artista plástico Flávio Emanuel. Natural de Recife, Flávio mesclava diversas artes na tentativa de descrever a maior arte que existe: seu interior. Através de pinturas, vídeos, performances, instalações, intervenções urbanas e toy arts (“brinquedos de arte”), o recifense apresentou um mundo que discute temas polêmicos como, por exemplo, sexo e religião. Ele incluia seu particular, mas abria espaço para uma interpretação política e, acima de tudo, imersiva. Suas obras carregam uma propriedade muito forte que vem por meio dos traços grossos, além das cores tropicais que lembram o calor da sua cidade natal e de onde sempre atuou. Flávio participou de grupos importantes da arte plástica pernambucana nos anos 80, sendo aluno de José de Barros, nome de referência para a área artística da época. Foi em 1987 que participou pela primeira vez do catálogo do Salão da Arte Contemporânea, onde posteriormente participou novamente em 1988 e 1993. Suas obras rodaram o mundo, chegando a ter exibições em São Paulo e Rio de Janeiro, assim como também em Paris no ano de 2005. A resistência da arte que Flávio tanto prezou vai além das telas e das mesas de trabalho. Ele foi um dos idealizadores da TV Tumulto, um centro cultural que preza a arte como ativismo e também um dos fundadores do N.A.V.E., Núcleo de Artes Visuais e Experimentos. Ambos projetos dão espaço para artistas de diversas áreas apresentarem sua forma de expressão sem censura e com total liberdade, pontos que Flávio colocava como indispensáveis na arte em geral e principalmente na sua. As artes coloridas e livres conversam principalmente com a idealização do projeto em geral. A originalidade surge a partir disso e da fusão entre os outros tipos de arte, como por exemplo na sua exibição T.I.E. (Teoria da Interferência Externa), realizada em 2013 no Solar da Marquesa. O espaço, que é dividido em dois andares com salas expositivas, bazares, uma copa e uma área de imagem e som, ofereceu uma base para Flávio apresentasse de uma forma multimídia. Foram utilizadas várias formas artísticas como a pintura, a performance, a intervenção e o video mapping. Divididas em séries, as pinturas seguem uma linha de conceito que varia para cada espaço de exposição. Uma delas, a Pink Crime, descreve com cores rosadas a experiência de rua que o pintor teve na sua vida. Contrastando a cor forte, outra série composta agora com o fundo branco e com traços coloridos foi apresentada. Além disso, a interação com o público se torna mais maleável com quadros pintados com tinta fluorescente, em que o visitante só consegue visualizar com auxílio de uma luz negra. A relação do criador, obra e espectador é intensificada através da interatividade. Já Time Is Monkey, outra série da exposição, é apresentada em video mapping, um método de exibição de um vídeo em superfícies irregulares. A sala escura é iluminada por três vídeos acontecendo ao mesmo tempo, emergindo ainda mais quem adentra o local. “Este texto vai permear toda a exposição. É um momento meio autobiográfico, meio ficção. É minha experiência, minha existência.” A existência da arte é política, e Flávio nunca esqueceu disso. Pinturas e intervenções que criticam o autoritarismo e a censura fazem parte do acervo rico do artista, que representou sua resistência em diversas linguagens. Ele afirma que ao fazer isso, convergiam gerações. Uma conversa entre a sua geração e a geração mais nova. No dia 3 de abril de 2021, Flávio Emanuel faleceu, porém sua arte faz dele vivo. A marca contemporânea que o próprio deixou em centenas de obras espalhadas pelo mundo é extremamente significativa para a cultura pernambucana. A originalidade e criatividade que suas obras permeiam apresentam uma feição do estado que, devido a estereotipação, não são imaginadas. O movimento plástico contemporâneo está intrínseco na raiz de Pernambuco, mas por muitas vezes é invisibilizado. Flávio é resistência ao participar de projetos que lutaram pelo espaço livre e democrático para uma arte que tanto diz e tanto mostra. Flávio é resistência por ser arte. A arte plástica contemporânea é resistência. Texto escrito por Samara Torres bianca.torres@ufpe.br
- Da infância ao lado de minha avó e da máquina de costura à luta por uma indústria da moda consciente
Um relato sobre a produção de “Pega-se Facção”, curta de Thaís Braga. Por Thaís Braga* Durante a minha infância brincar com agulhas, tecidos e linhas fazia parte da rotina. Passava as tardes sentada no chão, ao lado de vovó Zeza, enquanto ela costurava, ouvindo o barulho do motor da velha máquina de costura de ferro. À medida que o tempo passou meu interesse pela costura foi aumentando, passei a querer entender melhor como funcionava aquela máquina e como vovó conseguia fazer de um pedaço de pano a roupa que me vestia. Na minha família o curso técnico profissionalizante era muito importante, foi a partir dele que vovô Cidinho aprendeu sua profissão de torneiro mecânico e sustentou seus cinco filhos. Eu também quis fazer o curso técnico e ter uma profissão. Escolhi cursar Produção de Moda no Senai. Quando cheguei na fase de tentar vestibular, não tive dúvidas, queria continuar na profissão, quis ir para Caruaru estudar no Campus interiorizado do Agreste. Com o passar dos anos fui vivenciando a cidade e acredito que ela foi me transformando. Andava pelas ruas e sempre escutava o barulho das máquinas de costura, de dia e de noite, sem parar. Não era aquele barulho de máquina que vinha de uma memória afetiva, era um motor diferente, apressado e contínuo. Ouvi que havia uma cidade lá perto, onde o rio muda de cor acompanhando a moda. Conheci a tal "costura de facção". A maioria dos meus amigos caruaruenses tinham família que trabalhava na feira. Alguns cresceram tirando pelo e ajudando as mães na costura. A segunda indústria que mais movimenta a economia no mundo é sustentada por um modelo de produção apoiado na precarização do trabalho, que além de não trazer bem-estar e segurança, ainda adoece. São gerações e gerações vivendo no ritmo frenético do fast fashion (moda rápida) e da feira. Praticamente toda semana uma nova coleção, um novo modelo. Mas é por produção que o trabalho é pago, então, quanto mais você produz, mais você ganha. Queria entender melhor como tudo aquilo funcionava. Foi no Grupo de Estudos Sextas de Barro que comecei a estudar alienação, terceirização, precarização, todas numa perspectiva de classe. Adentrei de cabeça no movimento estudantil, na luta urbana, frequentava reuniões com movimentos sociais da cidade e do campo, partidos e sindicatos. Após assistir “The True Cost” (2015), documentário que explora as relações de trabalho e os impactos causados pelo consumo exacerbado de produtos em sistema de fast fashion, me senti incomodada por perceber que, principalmente nas aulas de Moda, as pessoas comentavam sobre o assunto com um certo distanciamento. Quando bastava um olhar mais atento às ruas de Caruaru para perceber que não estávamos tão distantes daquela realidade. No espaço acadêmico compreendi que estar em uma universidade era mais do que ocupar uma cadeira e assistir aula. As aulas de Moda foram dando lugar às aulas de Comunicação Social mais voltadas ao audiovisual. Integrando o Laboratório de Análise da Imagem do Agreste, o LAISA, tive a oportunidade de estudar cinema, inclusive, sendo pesquisadora Pibic, desenvolvendo pesquisas sobre documentário pernambucano sob orientação de Amanda Mansur. Nos anos em Caruaru a minha aproximação com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra foi se desenvolvendo não só no campo da luta, mas também no afeto. Meu companheiro na época, Marcos Amorim, era militante sem-terra e atuava na Residência Multiprofissional em Saúde do Campo da UPE em parceria com a Fiocruz e o MST. Em seu território de atuação realizava grupos de atividade física com costureiras em assentamentos da reforma agrária. Marcos me contava as histórias das costureiras e seus familiares, os processos de adoecimento físico e psicológico os quais se desenvolviam naquelas comunidades que viviam no ritmo frenético da costura. Um desses territórios era o assentamento Veada Morta, localizado no distrito de Cachoeira Seca, zona rural de Caruaru. Assim surgiu a ideia de produzir um documentário sobre o trabalho da costura em Cachoeira Seca como trabalho de conclusão de curso. Além do suporte de Marcos Amorim, Amanda Mansur, como orientadora e Camilla Barbosa, como amiga e produtora, contei com a ajuda de amigos queridos nesse processo. Havia montado um coletivo de Design que mais tarde viria a ser uma marca, a Las Lobas, com produção baseada no slow fashion (moda lenta), era o sonho de fazer moda de maneira totalmente oposta ao que era encontrado em Caruaru. Minha função, além da gestão coletiva, era a costura. Como boa parte das micro empresas de moda, que buscam nadar contra a corrente, Las Lobas não sobreviveu. Mas acredito que ter essa vivência no mercado da Moda foi fundamental para desenvolver ainda mais a empatia às costureiras. Passei a frequentar o Veada Morta, por semanas fui com Marcos e suas colegas de turma para o assentamento. Passava algumas horas sentada ao pé das máquinas de costura de D. Maria, D. Luciene, Micaeli, Rosângela, Eduarda e Sivoneide, que abriram suas portas para mim, permitindo que eu conhecesse suas histórias de vida. Sempre comentava sobre vovó e a troca ia acontecendo. Para mim a ética do documentário sempre foi uma questão importante. E eu sabia que para adentrar numa comunidade rural, dentro das casas dessas mulheres, era preciso chegar com respeito e empatia. Esse foi um dos motivos que nos levaram a montar uma equipe totalmente feminina. Queríamos que fosse uma história sobre mulheres contada por mulheres. Fizemos uma visita ao assentamento com toda a equipe, não só para que pensássemos as questões ligadas a técnica, mas também para que houvesse uma interação entre nós e as costureiras antes de chegarmos com todos os equipamentos de filmagem. Naquela semana que estivemos no Veada Morta fomos acolhidas pela família de D. Luciene e Micaeli. O clima era de afeto e aprendizado. As crianças queriam saber como funcionavam os equipamentos, nós aprendíamos com elas como funcionava toda a cadeia de confecção e como se dividiam entre os cuidados da casa, das crianças, da costura e do roçado. A nossa interação como equipe também fluiu muito bem. No final das entrevistas, D. Luciene convidou-nos para um almoço especial na casa dela. Voltamos para casa com as imagens, sons e certezas que estávamos fazendo aquilo por um propósito. Acredito que Pega-se Facção tenha sido uma consequência da minha relação com a cidade, ancestralidade, empatia, afetos e da vontade de unir moda, design e cinema com o interesse de fazer algo por aquela cidade que me acolheu durante 6 anos de minha vida. *Sobre Thaís Braga Thaís Braga é pernambucana, feminista, neta de costureiras, tem 27 anos e é graduada em Design pela UFPE no campus interiorizado de Caruaru. Vive entre o design gráfico e o de moda, mas sua paixão é contar histórias através do audiovisual. O curta "Pega-se Facção" é seu primeiro trabalho como documentarista. Saiba mais sobre o filme: https://www.spiarevista.com/post/filme-destaque-maio-2021-pega-se-fac%C3%A7%C3%A3o
- Em atualização, site Cinema Pernambucano convida novos cadastros para inscrições
Site com banco de dados colaborativo, abriu chamada para cadastro de novos filmes, profissionais e realizadores, produtoras, cineclubes e trabalhos acadêmicos relacionados ao cinema pernambucano. Resistir é não ficar parado. Em 2021, apesar de tudo, a produtora Tangram Cultural (responsável pela criação e manutenção do site) promove a atualização do banco de dados colaborativos do site Cinema Pernambucano. Além do layout, que em breve estará de cara nova, o site quer aumentar seu acervo de dados relacionados ao cinema pernambucano e está recrutando novos filmes, profissionais e realizadores, produtoras, cineclubes e trabalhos acadêmicos. No ar desde 2012, a proposta do site é facilitar a democratização do acesso à informação sobre o nosso cinema. No site é possível pesquisar filmografias, catálogo de profissionais, teses e monografias, consultar títulos, sinopses e fichas técnicas, ver fotos e making ofs de filmes e também acessar informações sobre cursos, festivais, cineclubes, salas de cinema, editais, e outros assuntos do audiovisual pernambucano. O Cinema Pernambucano, além de ser um espaço de divulgação da produção do Estado, é, também, um instrumento de apoio para estudantes, professores, pesquisadores, cineclubistas, cinéfilos, realizadores e quem mais se interessar pela história do cinema produzido no estado. Com essa atualização o site reforça seu aspecto colaborativo, fundamental para manutenção da plataforma como uma base de dados online e gratuita. Para fazer parte desse banco, basta acessar o formulário específico para cada seção. Caso algum profissional, produtora ou cineclube já tenha cadastro no site e deseje atualizar alguma informação, basta entrar em contato pelo email culturaltangram@gmail.com Após avaliação das informações, se tudo estiver correto, em breve os novos cadastros poderão ser encontrados no banco de dados do site Cinema Pernambucano. E para mais informações, você pode acompanhar tudo que está rolando no site lá no perfil do instagram da empresa @tangramcultural_. Formulário para inscrição de Filmes Pernambucanos no site: https://forms.gle/7J3JNymMw1PcUFpW6 Formulário para inscrição de Produtoras Pernambucanas no site: https://forms.gle/BR9xgpPUQNsG3Mv8A Formulário para inscrição de Profissionais Pernambucanos no site: https://forms.gle/sx9y8iANGuRPaeyWA Formulário para inscrição de Cineclubes Pernambucanos no site: https://forms.gle/qKWXvAEESiTjNZa76 Formulário para inscrição de Trabalhos Acadêmicos no site: https://forms.gle/bi6Qov6BfXFW1B4S8
- Uma (possível) leitura de Exercício de Arquivo #2 de Abiniel João Nascimento
Na segunda semana do mês de março foi realizada a “Semana do Audiovisual Negro”, o primeiro festival de cinema, de caráter competitivo, criado aqui em Pernambuco com recorte racial. Em sua segunda edição, a curadoria buscou uma aproximação entre o cinema negro e o cinema indígena, com obras que refletem sobre ancestralidade e territorialidade das imagens. Foi então que assisti a obra (em processo) “Exercício de Arquivo #2”, do artista Abiniel João Nascimento. Um curta de 12 minutos, um videoarte, em que Abiniel faz experimentos imagéticos para investigar o processo de criação da própria obra. Conheci Abiniel ano passado (2020), em um texto sobre o artista e pesquisador que saiu na 4ª edição da revista “Propágulo”. Estudante de Museologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), descendente de indígenas e afrodescendentes, Abiniel João Nascimento permite que seu leitor, ao ir conhecendo suas produções artísticas (de fotografia documental a performances), perceba e entenda que estas não estão - nunca estiveram e nunca estarão - deslocadas da sua existência. Além, do incessante desejo do artista por explorar outras linguagens. Exercício de Arquivo #2 traz a documentação que antecede a apresentação final da obra. É possível ver os caminhos escolhidos pelo artista dentro da rede de possibilidades que o processo de pesquisa e construção da obra oferece. A narrativa é construída a partir da busca histórica da origem da palavra “caboclo”. Sobre a região Nordeste, ele pisa. É onde estão os seus. Aqui é seu lugar antes mesmo da história o dizer que é. O tempo é presente pelo som - e pelo anunciamento - de um relógio analógico, o que me faz pensar como a ritmação do tempo colonizador determinou o apagamento e a nova construção das identidades colonizadas. O silêncio, também anunciado, é como a ausência e negligência para com o olhar à história. É posto em xeque o quanto as palavras usadas pelos “pensadores” para descrever aquelas pessoas conseguem preencher as inúmeras variações de culturas, fenótipos, economias, línguas. Intervindo nas imagens para narrar suas convicções, ao aumentar ou diminuir os contrastes (sempre imagens em preto e branco), ele mostra que o seu pensar artístico é crítico, inclusive, do seu próprio processo de construção. Tensiona o olhar à história da história. Aqueles que invadiram os territórios brasileiros mentem sobre como se deram as relações com os que aqui já habitavam. As inscrições em vermelho narram verbalmente observações do artista nas imagens escolhidas; aparecem rapidamente por cima das imagens, em consonância com o tempo marcado pelo relógio, que também é o ritmo para explanação das imagens no vídeo. E em um momento do alto da beleza estética escolhida por Abiniel, ele nos presenteia com a rica quantidade de informações acerca dos processos de apagamento étnico em comunhão com imagens da representação teórica dos indígenas. No momento em que o artista aparece sobre o estado de Pernambuco (pisando, literalmente), além do visível afunilamento territorial e histórico da sua pesquisa, sua inclusão com mais força na narrativa é descrita pela sobreposição de fotografias pessoais² (coloridas) com as imagens históricas (em preto e branco). As imagens e textos verbais que vão saltando na tela são como confirmações mútuas. Na quinta parte do vídeo (que é dividido em seis partes) é quando Abiniel João Nascimento aparece propriamente. É como se começássemos a ver Abiniel em um processo de digestão daquilo que ele tem pesquisado. O que é também um processo autofágico, já que Abiniel digere sua própria história. Sentado, de costas a um fundo marrom, ele se observa e se deixa observar, enquanto suas observações em vermelho continuam a invadir a tela. Agora, não mais fotografias, mas o próprio artista vivo e em movimento está em cena. O ritmo do tempo colonizador segue imperial sobre o sujeito, o que me confirma ser um momento de absorção ainda sob a influência da cronologia colonizadora - ele faz uma leitura dos processos de representação midiáticos (das imagens P&B estereotipadas às coloridas e reais fotografias, até sua própria imagem auto representada em vídeo). Ao se ler numa releitura de um caboclo de lança, Abiniel encerra a quinta parte de seu videoarte afirmando sua identidade enquanto sujeito pertencente daquele espaço e história e anuncia que dali em diante veremos sua regurgitação estética do processo que estamos acompanhando. Na sexta e última parte ele performa diante da câmera brincando com alguns elementos como o couro de um animal de grande porte que hora está sobre si, hora está sobre a cadeira; folhas secas, que hora formam uma máscara em seu rosto, hora estão atrás dele coladas no fundo marrom; e lâminas metálicas douradas que formam outra máscara em seu rosto, dessa vez, aderindo às formas de seu rosto. É a leitura de si enquanto ser que ainda é cercado de elementos que fazem parte do seu sujeito, que relacionam-se com a dor, espiritualidade e identidade históricas e contemporâneas. Abiniel ignora o incômodo de ser observado, como ato que exerceria influência em seu fazer artístico, ao propor deixar-se ser observado, quando ele mesmo cria, edita e publica partes (lembrar que o que vemos em Experiências de Arquivo #2 é o que o artista quer que vejamos) de seu processo criativo nesse videoarte. Ele provoca o leitor a questionar seu lugar: Sou apenas observador? De que forma sou parte dessa história? Não dá pra passar despercebido que o som do relógio analógico continua a marcar a passagem de tempo até o fim do curta. Fim do curta, não da obra. Abiniel fala da importância do tempo num texto que escreveu para a edição de outubro de 2020 (15ª) da revista Outros Críticos. O tempo enquanto partícula (Aracá) se faz presente na história de resistência e de reexistência dos povos indígenas nordestinos. “Escrevo porque também é necessário criar vida através dessa língua e desse espaço-tempo; escrevo para retornar ao futuro onde saúdo os umbigos-sementes que me sustentam”³. Sobre ser parte do que pesquisa e produz, diz que há uma relação mútua “já que a experiência que antecede a construção desse texto também atravessa a constituição corporal do eu-coletivo, que por consequência é futuro-presente-passado”*. O tempo de Abiniel e de seus antepassados não precisa da ritmação de um relógio. Mesmo assim ele faz uso do tempo dos outros. Ele entende de si e sabe como fazer uso desse elemento para tensionar as dinâmicas da arte oriental (coisa para outro texto). Seja no seu videoarte, num texto próprio, num texto de outra revista, ou em outras produções suas, percebemos elementos que evidenciam uma preocupação do artista em manter sua obra unificada. Ele sabe das possibilidades diversas de leitura, releitura e até intervenções, como se sua preocupação nunca fosse aquela obra em andamento no agora, mas sua totalidade no conjunto da obra-vida. Assim como Geraldo de Barros¹, artista paulista que faleceu em 1998 deixando sua última obra (“Sobras”) incompleta, Abiniel está mais preocupado com seu processo de investigação do que com o resultado final da obra. A diferença, é que o pernambucano parece nos apresentar os vestígios de suas criações propositalmente, e ao somar-se suas experimentações linguísticas nos permite, e quer, que possamos rever e refazê-las, ao não deixar que percamos de vista as interferências e conexões que marcam seu ser, seu processo e sua própria obra. ¹ - https://www.revistas.usp.br/manuscritica/article/view/178342/167269 ² - “Antes da fotografia ser possibilidade artística, para Abiniel ela sempre se configurou enquanto espaço de afeto e registro - sua família guarda um acervo enorme de fotos, não apenas de parentes, mas também de amigos e pessoas que sua avó, parteira, ajudou a nascer.” - 4ª edição, Propágulo. ³ - https://issuu.com/outroscriticos/docs/revistaoutroscriticos-2020-ed15 pag 24. * - https://issuu.com/outroscriticos/docs/revistaoutroscriticos-2020-ed15 pag 14 e 15. Texto escrito por Ade Queiroz adelvandomonteiro@gmail.com
- Coletivos/ produtoras de audiovisual indígena em Pernambuco
No estado de Pernambuco, valiosas produções audiovisuais indígenas estão sendo produzidas, comunicando através dos filmes, vivências, lutas e costumes. Destacam-se três coletivos formados por povos indígenas de diferentes regiões pernambucanas: Coletivo Fulni-Ô de Cinema (@coletivofulniocinema), de Águas Belas, no agreste; Ororubá Filmes (@ororuba_filmes), de Pesqueira, também no agreste; e Olhar da Alma Filmes (@olhar_da_alma_filmes), em Jatobá, no sertão. Por outra perspectiva, outro destaque vem do sertão, o povo indígena Pipipã de Kambixuru (@povo_pipipa), de Floresta, por meio de vídeos de curta duração vem apresentando as tradições dos Filhos de Serra Negra no YouTube. Também é importante ressaltar o legado da ONG Vídeo nas Aldeias (VNA), de Vincent Carelli, que desde a sua fundação em 1986, vem incentivando e fortalecendo a produção audiovisual indígena em território brasileiro. O Coletivo Fulni-Ô de Cinema surgiu por meio do Vídeo nas Aldeias. Cada coletivo tem o seu olhar e a sua forma de criar os filmes. Em comum, essas produções indígenas fogem do cinema convencional, colonizado, e apontam para um caminho original, potente e indígena. Foram selecionados três filmes de cada coletivo indígena pernambucano. As obras aqui citadas podem ser acessadas por meio dos canais de comunicação dos próprios coletivos. Txhleka - Fale Comigo Direção: Elvis Ferreira de Sá - Hugo Fulni-Ô 2021 - 14 min Tempo Circular Direção: Graci Guarani 2019 - 20 min Episódio 1 - Um Lutador Incansável Direção: não identificado 2021 - 2 min Indicações adicionais: Palermo e Neneco - Um dia na aldeia Mbya-Guarani Direção: Ariel Duarte Ortega e Patrícia Ferreira 2012 - 23 min Link do filme: https://youtu.be/Gce8DlqAPQY Pipipã de Kambixuru Instagram: https://www.instagram.com/povo_pipipa/ YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCfee7SuWce9Mp4XpVnLSS4w Referências: BENTO, Emanuel. Coletivo de cinema indígena de Pernambuco faz campanha para contar histórias sem estereótipos. Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2019/04/coletivo-de-cinema-indigena-de-pernambuco-faz-campanha-para-contar-his.html . Acesso em 6 de abr. 2021 LINO, Expedito. Coletivo Fulni-ô de Cinema. Disponível em: http://panoramacultural.com.br/coletivo-fulni-o-de-cinema/ . Acesso em: 6 de abr. 2021 Vídeo nas Aldeias. Disponível em: http://www.videonasaldeias.org.br/2009/ . Acesso em: 6 de abr. 2021
- O Agreste psicodélico em A Noite do Espantalho (1974)
De repente estamos pisando no chão quente de Brejo da Madre de Deus, observando por dentro o Teatro Nova Jerusalém. Depois de dois anos sem o maior espetáculo ao ar livre do mundo (devido a pandemia), no filme A Noite do Espantalho (1974) dirigido pela grande figura do MPB Sérgio Ricardo, temos a oportunidade de revisitar o local que também foi palco de tantas outras manifestações artísticas, como a desse filme. Se fosse possível descrever este filme numa visão geral, diríamos que é um musical sobre um grupo de trabalhadores lutando pela sua sobrevivência em um Nordeste devastado pela seca e pelo sol “de dois canos”. Ao escrever isso, sinto como se deixasse o filme vago demais. A imagem produzida na mente pode representar um filme tradicional, com uma temática já recorrente no cinema brasileiro e especialmente, no Cinema Novo. O coronel que oprime, o capanga que executa, os trabalhadores ao sol e o vaqueiro salvador. Mas não é bem assim! A trama que gira em torno de Maria do Grotão, Zé do Cão e Zé do Tulão, está longe de ser um filme comum, que passou sem deixar rastros. Na leitura que faço do filme, considero que: (1) pode ser um musical brasileiro e pernambucano dos anos 70 (gênero pouco explorado na região) ou (2) pode ser um sonho febril de 1h22min. Com um roteiro extremamente criativo e coeso com o que propõe, acordamos em um universo próprio e até então único. Existe uma relação entre a câmera, o personagem e o espectador, a famosa quebra da quarta parede que é rotineira em musicais. O filme apresenta isso de uma forma muito sucinta, ao transformar o espectador em cúmplice de tudo que vai acontecer nos próximos atos. Olhando diretamente para a câmera, o coronel relata seus planos malignos, mas, ainda assim estamos no escuro junto com os outros personagens, menos aquele que dá nome ao filme: O Espantalho. Interpretado por Alceu Valença, o personagem aparece nesse filme como uma grande imagem espiritual, quase que atuando no que hoje seria uma versão de si mesmo. Sua presença é divina, seja nos palcos na vida real ou sendo o personagem que nos guia e a sua manada de fiéis, os trabalhadores. Sua voz ecoa pelos quatro cantos do cenário. “Sou cantador de Cajazeira E vim cantar a minha gente Gente que não foge do aço Gente que não corre de macho Nem de onça ou de mulher” A Noite do Espantalho é uma grande mistura de vários elementos surrealistas, tradicionais, ficcionais e poéticos. Um grande cordel transformado em obra cinematográfica. As músicas, escritas pelo diretor Sérgio Ricardo, dão uma sensação de pertencimento, seja dos personagens que descrevem as situações em versos melódicos ou da imersão de quem assiste nesse universo caótico. A psicodelia apresentada no filme se intensifica com as rimas acompanhadas da melodia pesada. Os toques musicais profundos abrem caminho para os personagens comporem suas dores em um timbre forte, transformando as falas em versos. O trabalho da música no filme é bem incorporado ao saber quais instrumentos devem ser usados de acordo com a intensidade da cena. Indo da guitarra ao pandeiro, a história é construída por esse meio narrativo. “Meu avô ensinou ao meu pai, e meu pai me repetiu: sem um não tem o dois, sem o dois não tem o três, sem o três não tem o quatro, nem o cinco, nem o seis. Se no final deu errado, se faz a conta outra vez.” Na tentativa da linearidade temporal dos fatos, procissões com personagens aleatórios como uma bailarina saltitante no meio dos trabalhadores; os bastidores de uma revolução, com o diretor da cena vestido com um terno vermelho e palhas montadas que se assemelham a foice a ao martelo da União Soviética; e até mesmo um ser dragão com asas, chifres, presas, pele de crocodilo e peitos de fora, nos faz imaginar diversas interpretações para o que Sérgio Ricardo, Maurice Capovilla, Jean-Claude Bernadet e Nilson Barbosa, todos roteiristas, quiseram apresentar. Sejam essas interpretações literárias, poéticas ou até mesmo, religiosas. Podemos nos apegar à possibilidade que o filme A Noite do Espantalho pode ser uma grande alegoria religiosa, levando em conta o local de gravação, o tema da fé como forma de luta e resistência e o poder da grande divindade que o personagem de Alceu exibe. Onipresente, onisciente e onipotente, não importa onde o mal estiver, o Espantalho estará lá transformando seus versos em respostas espirituais. Alceu interpretando o Espantalho, com sua juventude aflorada exibindo seus cabelos longos, segurando um cajado que antes fazia parte da cruz na qual estava preso, sofre junto com o trabalhador que sangra nas mãos do Coronel e de Zé do Cão, um tipo de cangaceiro do mal que é contratado pelo Coronel para expulsar o povo das suas terras. Uma imagem crística pode ser vista no Espantalho. Já a figura do dragão aparece sendo aclamada pelos dois responsáveis por amedrontar àqueles do bem, deixando a interpretação livre para que seja a cabeça maligna. Suas características físicas (chifre, presas, olhos negros) podem ser relacionadas a um bode, esse que é representado como o Diabo em muitas adaptações. Ou Maria do Grotão, uma mulher tentada a sedução dos dois Zé. São vários elementos que juntos resultam em uma rica discussão sobre a grandiosidade dessa obra. A Noite do Espantalho é inegavelmente um marco na nossa cultura. Foi escolhido para representar o Brasil no Oscar de 1975, mas não conseguiu a indicação. Ainda assim, ganhou diversos prêmios de melhor ator, melhor composição, melhor fotografia e até mesmo o prêmio especial dos festivais de Cannes e de Nova Iorque. Sua divindade artística não ficou apenas dentro da ficção. O fenômeno sensorial que o longa transmitiu foi além, graças ao trabalho espetacular de todos os artistas envolvidos nessa obra. A perfeição musical e surrealista que vai da montagem até a direção de arte mostra como o cinema feito em Pernambuco consegue ser cada vez mais diverso e surpreendente. É uma obra que deveria se tornar um pecado caso deixada de lado. Quando o corpo vai prum lado e vai pro outro o coração cante que só passarinho jogue o corpo na canção que o coração vê caminho e os pés se movem no chão Resenha crítica escrita por Samara Torres bianca.torres@ufpe.br
- Funcultura Audiovisual abre inscrições na próxima segunda
Inscrições acontecem no formato online e vão até o dia 26 de abril. Começam nesta segunda (05), as inscrições para o 14º Edital Funcultura Audiovisual e para o 15º Edital do Funcultura Audiovisual. Com um aporte de R$ 14,28 milhões, distribuídos nos dois editais, os interessados têm até o dia 26 de abril para efetuarem suas inscrições no formato online. O 14º Edital do Funcultura Audiovisual (2020/2021) destinará R$ 8 milhões para os projetos aprovados nas categorias de longa-metragem (produção e finalização) e produtos para televisão (obra seriada documental, obra seriada ficção, obra seriada animação, telefilme documental e telefilme ficção ou animação). Clique AQUI e confira o edital e seus anexos. O segundo edital, o 15º Edital do Funcultura Audiovisual (2020-2021), destinará o valor de R$ 6,28 milhões, para categorias não contemplados no primeiro certame: curta-metragem, games, difusão, formação, desenvolvimento do cineclubismo, “revelando os pernambucos”, pesquisa e preservação, desenvolvimento de longa-metragem, desenvolvimento de produtos para TV, obra seriada de curta duração, finalização e distribuição de longa-metragem e websérie/webcanal. Clique AQUI e confira o edital e seus anexos. O edital do Funcultura Audiovisual tem como objetivo selecionar projetos oriundos de produção pernambucana independente de obras audiovisuais e eventos do setor. As categorias apresentadas são: longa-metragem, curta-metragem, produtos para televisão, games, difusão, formação, pesquisa, preservação, cineclubismo e revelando os pernambucos. OUTROS EDITAIS – 3º Microprojeto Cultural Também no dia 05 de abril, o 3º Microprojeto Cultural abre suas inscrições. O prazo, porém, vai até o dia 16 do mesmo mês. Voltado para iniciativas de indivíduos, grupos e coletivos, formados por jovens de baixa renda entre 18 e 29 anos, principalmente de cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), o edital conta com o montante de R$ 640 mil para os projetos, com um limite de R$ 15 mil para cada. Para saber mais, acesse: www.cultura.pe.gov.br/editais/edital-funcultura-microprojeto-cultural-2020-2021. Funcultura Geral Ainda em Abril, a partir do dia 19 o Funcultura Geral abre seu período de inscrições que vão até o dia 30/04. Ao todo serão disponibilizados R$ 15,68 milhões para incentivar projetos das seguintes linguagens culturais: Artes Integradas, Artes Plásticas, Artes Gráficas e Congêneres, Artesanato, Circo, Cultura Popular e Tradicional, Dança, Design e Moda, Fotografia, Gastronomia, Literatura, Ópera, Patrimônio, Teatro, Formação e Capacitação e Pesquisa Cultural. Para saber mais, acesse: www.cultura.pe.gov.br/editais/edital-funcultura-geral-2020-2021.
- Livro de Geneton Moraes Neto resgata as memórias do Super-8
Organizado pelo pesquisador Paulo Cunha e-book está disponível no site da Amazon. Uma coletânea de textos escritos, entre 1973 e 1983, por Geneton Moraes Neto (1956-2016) resgata parte da memória do que foi a produção de Super-8, no Recife, uma das mais criativas experiências de cinema experimental produzidas no Brasil. Na sua grande parte inédita, as reflexões do jornalista e cineasta são disponibilizadas agora no e-book Expedições à Noite Morena: em defesa de um cinema vadio [Fazer Super-8 no Brasil dos anos 1970], da editora Contraluz e disponível no portal da Amazon. Muitas reflexões de Geneton sobre o cinema em geral e o Super-8 em particular foram retirados de dois cadernos pessoais que ele preencheu entre 1977 e 1982. São os trechos mais íntimos, que permitem acompanhar a maneira como a geração do Super-8 foi percebendo a importância da expressão cinematográfica. Há também, no e-book, textos que foram escritos e publicados em jornais, mas que nunca tinham sido reunidos. Organizado pelo pesquisador Paulo Cunha, que teve acesso irrestrito aos diários de Geneton Moraes Neto, o e-book traz ainda um vasto material iconográfico, com a reprodução de trechos dos cadernos e das reportagens, além de fotografias do período. Segundo o organizador, o livro é quase um álbum de recordações de um momento do cinema feito em Pernambuco que oscilava entre a ingenuidade e a ousadia total. “Tenho percebido que jornalistas, realizadores e estudantes de cinema têm cada vez mais dificuldades de compreender o que foi o surto de produção em Super-8 dos anos 1970. E nesse sentido o livro é uma maneira de dar um mergulho profundo e divertido na história daquela geração”. Além de Paulo Cunha, organizador e autor da apresentação, o e-book teve a participação de Ana Farache (edição e revisão) e Jaíne Cintra (que criou e executou o projeto gráfico). O conjunto de materiais também ajuda os pesquisadores do cinema brasileiro, na medida em que trazem a gênese de muitos filmes de Geneton Moraes Neto. Estão no e-book, por exemplo, os primeiros rascunhos de roteiros e poemas que seriam utilizados posteriormente nos curtas, assim como a motivação de cada um deles no instante em que foram concebidos. Por outro lado, como explica Paulo Cunha, “o material é a defesa de um cinema mais impactante e mais simples, longe das superproduções que passaram a ser realizadas após a retomada, o que pode encher de sonhos e energia a cabeça da garotada que está se lançando hoje no audiovisual”. Os cadernos cobrem o período que contempla a realização de onze filmes em Super-8 de Geneton Moraes Neto: Quando JK (11 min., 1977), Corinthians, Coração (8 min., 1977), América Morena I (12 min., 1977), América Morena II (20 min., 1977), A Flor do Lácio é Vadia (6 min., 1978), Esses Onze Aí: Um filme panfletário, a favor do futebol (10 min., 1978, com Paulo Cunha), Funeral para a Década de Brancas Nuvens (10 min., 1979), Fabulário Tropical (6 min., 1979), Navegar em Terra Firme (9 min., 1980), A Esperança é um Animal Nômade (9 min., 1981), Loja dos Trapos do Coração (10 min., 1982). Mesmo lançado apenas em 1983, há referências a O Coração do Cinema (16 milímetros, 18 min., com Paulo Cunha) assim como aos filmes em Super-8 anteriores a 1977: Mudez Mutante (7 min., 1973), Isso é que é (6 min., 1974, com Amin Stepple), Conteúdo Zero: Um filme para desentendidos (14 min., 1975), Recife, I Love You (10 min., 1975), Tudo, Tudo (10 min., 1975) e Verão, Veredas (14 min., 1976). SERVIÇO Expedições à Noite Morena: em defesa de um cinema vadio [Fazer Super-8 no Brasil dos anos 1970], de Geneton Moraes Neto. E-book, Editora Contraluz, 131 páginas. Disponível no portal da Amazon. Acesso para download: https://amzn.to/3rQlPDY Preço: R$ 11,05