
152 resultados encontrados com uma busca vazia
- Mãe, errado é não amar
“Olhando para trás, eu me vejo um monstro ou um homem. Não sei que figura me assusta mais, mas eu preciso acreditar que eu não sou uma delas.” Rebu é um mini-doc sobre semelhanças, descobertas, família, medo, transformações e avanços. Roteirizado e dirigido por Mayara Santana, o mini-doc desenrola a vida dessa mulher negra, pernambucana e sapatão em seus momentos mais importantes para construção da sua narrativa pessoal. Dividido em seis episódios + um extra, cada parte é importante para o produto final, não só da obra cinematográfica, mas para quem ela é para si própria. Nele, são abordados temas como afetividade, irresponsabilidade amorosa, nervosismo e processos de um jeito descontraído e divertido, sabendo exatamente onde posicionar cada temática com cada modo de contar essa história que pode parecer até caótica, mas que possui uma afinidade na jornada daquelas que se arriscam nesse universo chamado de vida. No episódio 1, somos apresentados a uma menina filha única com seis irmãos. Filha de um homem com características fortes que seriam mais expostas um pouco na frente. Essa criança que era vista por alguns como uma criança estranha, de “gênio forte”, que andava brincando com os meninos e imaginava momentos românticos carregados de ingenuidade com sua amiga. Ali, seria o início de tudo que seria mais desenrolado com o decorrer dos anos. Esse gênio forte não veio do nada. “É o DNA”, afirma Pedro Bala, pai dela, que é o assunto dos episódios 2 e 3 em que Mayara assegura a importância dessa figura na sua vida, seja nas influências culturais e principalmente no jeito de ser. A princípio, conhecemos uma pessoa tranquila e simpática, mas é por meio da humildade de retratar os defeitos que também sabemos o lado humano dele e também de Mayara. “O filme é sobre o senhor, mas é sobre mim também.” Quando é preciso lidar diretamente com a vida sapatão em um ambiente contra seu famoso “estilo de vida” (como tantos outsiders insistem em nos retratar) é sempre um momento de medo do proibido. No episódio 4, esse passo ansioso é narrado em cima da história de Mayara e sua primeira namorada. O relacionamento secreto, censurado e pioneiro foi repleto de passos incertos e no vão entre a descoberta e a repressão. Bença, como sua primeira ex-namorada era chamada, retrata uma personagem muito importante e ainda existente na vida daquelas mulheres que sofrem diante do desejo de liberdade. Além dela, temos também outra personagem determinante: aquela que tem essa liberdade, mas ama alguém preso. Mas nem sempre a liberdade é a solução de todos os problemas. No episódio 5 e 6, conhecemos mais duas namoradas de Mayara e como o processo, os avanços, os erros e os acertos resultaram na mulher que ela é hoje. A cada tentativa de viver um amor de novela, a cada erro cometido e a cada acerto rejulgado, eram mais e mais passos na jornada que é ser uma mulher sapatão no século XXI. Por fim, no episódio extra, Mayara fala diretamente sobre si pela primeira vez em seis partes. Com uma finalização profunda, delicada e totalmente coerente do começo ao fim (e como não seria? A resistência sapatão é sempre coerente), Rebu transforma quem assiste por meio da sua leveza e intimidade de contar uma vida de luta e de garra. Todos os episódios de “Rebu” estão disponíveis no Instagram @rebu.doc. Texto escrito por Samara Torres.
- Direção de Arte no Cinema de Animação Stop Motion em Pernambuco
Lantejoulas, sementes de pau-brasil, esculturas de umburana e bonecas feitas com fibra de caroá compõem as imagens dos curtas animados em stop motion pela mata norte, agreste e sertão pernambucano, analisados na pesquisa, intitulada, "Direção de Arte no Cinema de Animação Stop Motion em Pernambuco: Uma Análise da Relação entre Identidade Cultural Local e a Plástica de Filmes Realizados em Oficinas do Projeto Cine Sesi Cultural", realizada por Renata Claus com recursos da lei Aldir Blanc em Pernambuco. A pesquisa teve como objetivo analisar a relação entre os elementos culturais das diferentes regiões do estado de Pernambuco e suas características plásticas na produção de filmes de animação em Stop Motion. O artigo científico você confere com exclusividade aqui na Revista Spia. Os filmes analisados na pesquisa, realizados em oficinas de animação, através do Projeto Cine Sesi Cultura, exploram a sócio diversidade étnico-cultural de povos e comunidades tradicionais, como o quilombo de Conceição das Crioulas, a aldeia indígena Fulni-ô, e as ricas manifestações culturais da região, como o folguedo do Cavalo-Marinho Estrela Brilhante, e estão disponíveis na plataforma virtual de vídeos do Youtube Anima CineSesi. O texto da pesquisa você confere na íntegra no link abaixo. Boa leitura!
- Em comemoração ao dia do Cinema Nacional: uma entrevista de arquivo inédito com Fernanda Montenegro
Entrevista realizada por Amanda Nascimento em abril de 2004. Em comemoração ao dia do Cinema Brasileiro, trazemos aqui uma entrevista de arquivo inédita, realizada por Amanda Nascimento em abril de 2004 com Fernanda Montenegro. “Um hotel, na beira mar da Região Metropolitana do Recife, durante um festival de cinema local, quando veio para o lançamento de “O Outro Lado da Rua”, primeiro longa de Marcos Bernstein, roteirista de “Central do Brasil”, junto a João Emanuel Carneiro. Um SET montado na areia da praia. Enquanto concedia entrevista, era clicada para um ensaio. Em cada resposta, uma aula de cinema, televisão, teatro, humanismo e cidadania”. AMANDA NASCIMENTO: O que fez você querer fazer esse filme? O que mais te agradou no roteiro? FERNANDA MONTENEGRO: Eu achei que era um roteiro com começo, meio e fim. Um roteiro impressionista. Tinha crônica, mas que por baixo dessa crônica tinha um movimento de humanidade jamais totalmente expressada, intuída. Não era narrado o emocional dos personagens, não vinha aquela crônica seca, sabe? Assim: um fato e outro fato e outro fato. Senti que tinha um movimento de ondas. O filme de impressões com dois personagens que se encontram com total impossibilidade de convívio, mas com uma atração irresistível nas suas solidões. É difícil botar em palavras as coisas que estão intuídas. De impressões, de impressões… Eu acho que isso é raro como proposta de personagem até no cinema contemporâneo. É tudo muito explicitado hoje em dia. O filme é um risco que corre o produtor, o diretor, o roteirista e elenco numa hora de um cinema tão cronístico ou, às vezes, tão mágico nessas coisas que vem do primeiro mundo como “O Senhor dos Anéis” e “Harry Potter”, do mundo do imaginário. Ou é aquele cinema americano cronístico que se exige tudo com consequência clara. Então, acho que é um filme muito corajoso. História de dois velhos, velhos não decrépitos. Dois velhos inteiros com seus hormônios ainda funcionando, não com tanta pujança, mas existindo ainda. É um filme desafiador. AMANDA NASCIMENTO: Marcos Bernstein escreveu o roteiro de Central do Brasil. Naquela época, vocês quase não se conheciam. O fato de ter sido ele, agora como diretor estreante, ajudou você a aceitar o personagem Regina? FERNANDA MONTENEGRO: Não. Não foi o roteiro em si. Não tenho receio algum com diretor estreante. Eu acho que quando um diretor estreante chega a um longa, é uma luta tão grande, é um querer tão grande, que alguma coisa sai dali ou tudo sai dali. Tenho uma longa experiência porque tenho feito muitos filmes de primeira direção. E, também ali, ele representa a linguagem dele, completamente resolvida ou não, mas ali é que está a sua estética. Aquilo que ele vai perseguir pela vida dele se tiver chance de fazer o segundo, o terceiro ou o quarto filme. Até porque, no Brasil, você leva cinco, seis ou sete anos para fazer um filme. AMANDA NASCIMENTO: O “Outro Lado da Rua” é a história de duas pessoas mais velhas e tem um romance. O que me impressionou foi Regina. Ela é uma pessoa que tem muita vaidade, apesar da solidão em que vive. Como foi interpretá-la? FERNANDA MONTENEGRO: Eu acho que ela é daquele tipo de mulher que dentro de casa não aguenta. Eu fiz uma história para ela, pressuponho que ela foi até uma alta funcionária do Ministério da Justiça, aposentada há anos. Então, ela sofre a decadência do bairro, era por excelência o bairro da grande diversão da política e do dinheiro no período em que o Rio era capital. Ela foi alguém nos seus verdes anos… Aquele apartamento já foi um grande apartamento que agora está lá jogado às traças. Tem uma dualidade de quando for para rua, ninguém vai me pegar distraída, ninguém vai me pegar na pior. E, também diversificar essa figura, né? Ela é uma pessoa dentro da casa. Ela se dá o direito da sua depressão e se dá o direito da vida sem saída, mas botou a cara na rua como os velhos de Copacabana: batom, cabelinho cortado com franjinha, a cachorrinha, a roupa comprada à prestação nua boutique onde tem uma moda que passa a ser até um uniforme, uma cor de cabelo que eu chamo de louro menopausa. Tem um código nelas todas! Eu tenho certeza que, quando a gente entrou para gravar naquele apartamento, eu senti “ali tem um mofo, tem algo que ficou no passado”. Mas na rua não. Na rua não. O sol bate, tem a praia, tem a ginástica, tem as paqueras que não se importam muito com a barriga, com as varizes, com as rugas. Eu acho que ela é assim: tem algo que ficou do seu grande tempo que ela tinha algum poder dentro da sua secção do Ministério da Justiça. Por que eu invento que é Ministério da Justiça? Porque ela fala com o delegado de igual pra igual. Ela sabe que o juiz mata, que o juiz se vende, que a justiça do Brasil é um horror do mundo. Que aquele juiz pode matar mesmo, compreende? Vai ter que poder para segurar o corpo. Mas tem uma alquimia da vida que bota aquele homem diante dela, tão burguês, tão arrumado, tão ofendido na sua postura, na sua casa tudo no lugar, tudo bonito, tudo anos sessenta, bom talher, vela acesa. Isso tudo é o encontro da direção com os seus atores. O Marcos foi muito cuidadoso. AMANDA NASCIMENTO: Você acha que o filme quebra tabus em relação aos personagens mais velhos terem tanta vitalidade e fazerem sexo como adolescentes? FERNANDA MONTENEGRO: O filme tem coragem. Botou duas pessoas de quase 70 anos numa cama. Eu acho a cena do primeiro beijo muito bem realizada. É incrível. As pessoas se amam fisicamente de todas as idades. Há muitas formas de se amar fisicamente em qualquer idade. Mas também isso não é feito… Como posso dizer? Não é feito com feiura, na brutalidade, no grotesco, na violência. Por tudo isso, eu acho que é para o filme ser considerado. AMANDA NASCIMENTO: O que foi voltar a Berlim depois de já ser consagrada e ter uma boa recepção? FERNANDA MONTENEGRO: Nós vivemos uma recepção em Berlim a qual a gente hoje não compreende o porquê do filme não ter entrado na competição oficial, quais foram os mecanismos… Eu acho que eles mesmo ficaram surpresos. As testemunhas das pessoas que acompanham os festivais, os alemães não brincam em serviço. O festival de cinema em Berlim é um festival em Berlim. Sinceramente, acho que nenhum filme teve uma recepção como o nosso filme teve, apesar de estar na mostra paralela. Foram duas sessões: a primeira foi um sucesso! A gente pensava que tinha acabado naquela noite. A segunda foi tão grande quanto a primeira. Eu acho que ainda se lembravam um pouquinho de mim lá. A pátria do cinema brasileiro é Berlim. AMANDA NASCIMENTO: E, começar bem em Berlim dá um sentimento bom, já que “Central do Brasil” teve tanto sucesso? FERNANDA MONTENEGRO: É um festival temático, sabe? Mas não temático pelo exótico. Um festival cabeça. Tipo cabeça, sabe? É aquela presença de entendimento de cultura com K, a respeito do fato que se está observando. Não tem folclore, não tem frescura. Acho que fazem bons negócios. Não sei porque isso não é meu setor. As plateias são compactas, sem frescuras. Tão ali pra ver cinema. AMANDA NASCIMENTO: Voltando ao seu personagem, você deu passeios por Copacabana ou foi só com as referências de roteiro? FERNANDA MONTENEGRO: Sou carioca deslavada. Quer dizer: sou produto daquela cidade. Conheço Copacabana a vida inteira. Morei em Copacabana. Comecei a minha vida profissional lá. Acho que a praia é, por excelência, do Brasil. Não é que seja a mais bonita ou a mais feia. Você pode não saber onde é o Brasil, não saber se a capital é Buenos Aires ou Rio de Janeiro, ou Brasília, ou Recife, ou São Paulo, mas sabe que existe no Brasil uma praia chamada Copacabana. Eu acho que é uma praia emblemática deste país. Se encontra ali do sublime ao mais divertido dos mundos. AMANDA NASCIMENTO: E o seu personagem em “Olga”, filme de Jayme Monjardim? FERNANDA MONTENEGRO: Fazer Leocádia, mãe do Prestes, foi um prêmio. Ele será um filme de outra visão. É uma intuição certa que o Monjardim tem a respeito dessa história, uma história de amor, compreende? Botando em primeiríssimo plano a humanidade desses personagens. A política vai entrar porque ele não poderia deixar de lado, mas não é um filme sobre a ideologia nem sobre engajamentos políticos. É um filme das criaturas que se envolvem nesse período da História do Brasil e que é tocante. AMANDA NASCIMENTO: Já que você está em Pernambuco, queria saber como foi a sua participação em “O Auto da Compadecida”? FERNANDA MONTENEGRO: Eu considero um orgulho ter entrado naquele filme. Um filme que o Guel realizou de uma forma extraordinária. Só a gente sabe como é difícil fazer farsa à altura do texto do Suassuna e só ganhar. Não se afasta um milímetro do espírito desse autor extraordinário que é Ariano. É uma protagonista, a Compadecida é a própria. AMANDA NASCIMENTO: Como é estar com mais um filme em Pernambuco? FERNANDA MONTENEGRO: Ai, meu Deus. Eu adoro. Aqui o público participa em massa e já estão educados para festivais. Eu lembro quando vim com o “Central do Brasil”, estava tudo recomeçando. A vontade dos pernambucanos é surpreendente. Posso afirmar que, hoje, é o melhor cinema do Brasil. Espero voltar sempre. Entrevista realizada por Amanda Nascimento.
- Recife é cenário para Websérie sobre triângulo amoroso
A mini websérie intitulada “Recife É Um Ovo” conta com humor e muita pernambucalidade os encontros amorosos que acontecem dentro de um círculo de amizade. “João amava Teresa que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém...” O trecho citado é do famoso poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, e faz referência aos desencontros e às dificuldades do amor nos anos de 1930, hoje pouco dele se assemelha a nossa realidade. O tempo tratou de virar o jogo do avesso e agora os desencontros acontecem de forma menos trágica e mais estratégica, facilitando um encontro mais adiante e assim, todo mundo sai ganhando. Esse é o novo comum. Em Recife dizem que a probabilidade de você se relacionar com um completo desconhecido(a) do seu círculo de amizades é mínima, quase nula, afinal Recife é um ovo. É nesse contexto de encontros entre amigos, conhecidos e ironias que se passa a história da mini websérie Recife é Um Ovo, produção independente do cineasta Gus Arruda Lins. Na trama a personagem principal, Alice (Maria Laura), namora João Vitor (Tiago Godim), mas tem Helena (Gabi da Pele Preta) (sua ex) como crush e ponto fraco da relação. Recife é Um Ovo tem 3 episódios, que serão lançados oficialmente na próxima segunda, dia 21 de junho, nos perfis de Instagram e Youtube @recifeéumovo. A produção mergulha no universo das relações alternativas da classe média recifense, usando expressões e referências de humor que são um deleite para todos os públicos. Segundo Arruda, é impossível não relacionar o caso dos personagens a algum já vivido ou testemunhado, e propõe ainda um desafio. “A gente vai te provar que, se tu é de Recife, tu já pegou alguém que eu conheço. Ou a gente já se pegou. Para as gravações o cineasta reuniu profissionais experientes do cinema pernambucano, com grandes produções na bagagem; como os técnicos de som Moabe Filho e Pedrinho Moreira (filmes Greta e Joaquim) e a produtora Clarissa Dutra (Janela Internacional do Cinema). Gus Arruda atualmente mora em São Paulo e veio à Recife gravar na zona norte, entre os meses de dezembro e janeiro de 2021, quando as iniciativas audiovisuais estavam bastante escassas, devido a pandemia, período extremamente delicado para a cultura brasileira. Tanto nos testes de elenco quanto nas filmagens foram adotadas medidas sanitárias recomendadas pelos órgãos de saúde. Recife é Um Ovo é uma produção totalmente independente, feita com responsabilidade e paixão pelo jeito de ser recifense. E estrá disponível para ser assistida livremente na web (@recifeéumovo) a partir de segunda (21). Serviço: Mini Websérie Recife é um Ovo instagram.com/recifeeumovo
- Produtora do agreste pernambucano lança documentário intitulado ‘Palestina Brasil’
O documentário produzido pela PUNCTUM Filmes conta uma história sobre educação, cultura e preconceito, através dos olhares dos moradores do bairro. Dirigido pela jornalista Mayara Bezerra e pela artista visual/sonora Virgínia Guimarães, e com produção executiva do designer e videomaker Jansen Barros, o documentário ‘PALESTINA Brasil’ em 24 minutos conta uma história sobre o bairro Nova Palestina, localizado na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, interior de Pernambuco. Oito moradores do bairro contam suas realidades e a história de uma ‘palestina’ que é retrato, é a cara de um mundo com o qual convivemos todos os dias, em todos os espaços. Conhecemos a realidade de um bairro que sofre com o preconceito e exala uma forte cena cultural, vestida por uma esperança que só a educação e o conhecimento proporcionam. O documentário também conta com a direção de fotografia do artista José e da costureira e cineasta Larissa Cunha, e tem data de lançamento para o dia 26 de junho (sábado), às 16h, através da plataforma YouTube. Sinopse: A Palestina é a primeira vista da cidade de Santa Cruz do Capibaribe, no interior de Pernambuco. É o ponto mais alto, o lugar de onde podemos ver uma comunidade que cresce para além de suas fronteiras, que são tantas. A poesia é que se aceitamos que podemos ver aquele morro, imaginamos ao mesmo tempo que podemos ser vistos dele. Neste documentário, as narrativas de seus moradores contam um retrato do mundo no agreste pernambucano, conhecemos um lugar que guarda histórias muito além do medo. Para + informações: Instagram: @punctumfilmes E-mail: punctumfilmes@gmail.com
- Suspensão narrativa e fluxo temporal. A experiência musical em Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda
Texto originalmente publicado em 2019 na Revista da Conferência Internacional de Avanca. Abstract The cinematographic production in the city of Recife, in the northeast of Brazil, outlines a dramaturgy that coexists with the musical and cultural scene effervescence that emerged in the city, since its revival in the 90’s. Contemporary cinema deliberately explores the mimicry of music in its narrative films when appropriating certain songs, materializing them in sequences of musical interpretation, whose function is the suspension of the narrative. Based on the premise that cinema is organized as a system of languages, inserted within a socio-cultural context, our aim is to investigate the articulating role of music in the local cinema from the analysis of sound/visual procedures in the narrative construction of the film Tattoo (2013), by Hilton Lacerda, in which the manipulation of cinematic texture intensifies the sensitive musical experience. Keywords: Cinema, Recife, Musical Scene, Film Language, Film Music Introdução Qual o impacto do movimento musical Manguebeat1 na retomada da produção cinematográfica na cidade do Recife? Como nessa filmografia a música frequentemente define as escolhas dos ângulos de câmera, a performance dos personagens, a montagem e articula a própria narrativa dos filmes? É com o intuito de debater sobre tais questões que propomos esta comunicação. Levando em consideração a ligação do cinema com as outras artes (Bazin 2013) e a relação entre a cena musical e a produção audiovisual, usaremos como estudo de caso o filme, Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, para investigar a conexão entre a música e cinema na construção narrativa de filmes realizados em Recife, capital de Pernambuco, Brasil. O roteirista e diretor pernambucano, Hilton Lacerda, faz parte da geração que retomou a produção cinematográfica no estado e desde o início de sua carreira estabeleceu um intenso diálogo com os músicos da cena. O cinema produzido em Pernambuco, a partir do longa Baile Perfumado (1997), o chamado “Árido Movie”, era considerado pelos cineastas como o Manguebeat em forma de cinema. Nesse sentido, o que nos interessa aqui é justamente investigar a relação da música nos filmes como experiência sinestésica e experiência narrativa. Nossa intenção é observar no filme Tatuagem quais os diálogos e interferências que a música promove na sua construção narrativa. A Cena Audiovisual A produção cinematográfica contemporânea em Recife se organiza em torno de um ethos, uma condição dos discursos fílmicos que vincula as imagens e os sons aos cineastas e à um universo musical compartilhado. Cada filme enuncia um conjunto de realidades que sintonizam de forma particular os cineastas e seus espectadores. As imagens e sons, decorrentes dessa produção, são como liames com um lugar que é, em geral, circunscrito à cidade do Recife. Cada filme é, portanto, uma apresentação do cineasta individualmente (porque se trata, obviamente, de um conjunto heterogêneo de propostas), mas igualmente uma apresentação de um grupo2, localizado num contexto muito específico de produção, que caracterizamos aqui, como brodagem. O termo brodagem começou a ser utilizado para expressar um modo de fazer de produzir algo em parceria (música, cinema, artes plásticas), na década de 1990, no Recife. A gíria pernambucana é um aportuguesamento da palavra em inglês brother, e surge como forma de designar uma irmandade, no caso de um grupo de amigos, ou uma camaradagem, no caso de um favor (Nogueira 2014). Filmes, no caso, são formas de expressão de algo que vai para além das histórias que são contadas, seja nos documentários, seja nas obras de ficção. Então, esse conjunto de filmes é a revelação de um esquema coletivo, capaz de evocar imagens e sons que antecedem e que sobrevivem a cada um dos filmes. A cooperação entre os membros do grupo de realizadores de diferentes gerações da cena audiovisual, que atuam concomitantemente na cidade, pode ser definida como uma troca em que as partes se beneficiam (Sennett 2012, 15). É justamente essa estrutura de organização social de um esquema de brodagem, que garante a existência de um cinema em Recife. Distantes do eixo Rio-São Paulo, geograficamente e economicamente falando, os cineastas não tinham outra opção, a não ser se unir, apoiando-se reciprocamente, e cooperando, para conseguir o que não poderiam alcançar sozinhos. Para Will Straw (2002), as cenas são tratadas como elementos fenomenais na vida cultural das cidades. Memoráveis e efêmeras, as cenas conjugam uma história de lugares urbanos, decretando uma visibilidade dramática. Elas são a medida do declínio, vitalidade e clareza de uma cidade: Scenes treating these as phenomenal elements in the cultural life of cities. Both memorable and ephemeral, scenes conjugate a history of urban places by enacting a dramatic visibility. They are a measure of the decline, vitality and distinctness of a city. A century or more of theorizing has subdivided city cultures into communities, subcultures, networks and innumerable other unities. Scenes are both the haziest of such unities and some of the most productive. Amidst an explosion of writing on all aspects of urban culture, our focus on scenes has served to constrain and inspire the studies contained in this issue (Straw, 2002, 1). A cena é ligada à cidade, na medida em que as cidades são pensadas para ser lugares criadores de cenas, onde elas são fertilizadas. A cena, como forma social, na mistura das funções públicas e privadas em espaços de uma cidade, depende de uma certa teatralidade, exigindo o desempenho dos seus moradores. Por outro lado, se uma cena aponta para uma característica recorrente de uma cidade (como é o caso da cena audiovisual na cidade do Recife), então uma função universal é distribuída de forma diferente. A cena ressoa como uma atividade concreta, uma atividade articulada, diferenciada, e não necessariamente secreta. Pelo contrário, na cena audiovisual na cidade, mesmo sendo legitimada, existem elementos de sigilo, diferenciados do que se propaga. Ou seja, há uma aura esotérica conectada com qualquer cena que muitas vezes torna o conhecimento de seu paradeiro um problema para pessoas de fora ou para aqueles que são novos na cidade, como é o caso da estrutura da brodagem. O discurso cinematográfico se apoia em uma tecnologia que afeta consideravelmente seus mecanismos enunciativos. Na linguagem cinematográfica, a enunciação é construída por um aparato de que o realizador vai se apropriar para articular os elementos do filme às relações que vai estabelecer com o espectador. Para Pasolini (1988), o cinema tem uma dupla natureza: é ao mesmo tempo extremamente objetivo e extremamente subjetivo. Utiliza-se dos objetos (signos) para operar em um nível metafórico (simbólico). Em Heretical Empiricism (1988), Pasolini disserta sobre a representação no cinema. The filmmaker chooses a series of objects, or things, or landscapes, or persons as syntagmas (signs of a symbolic language) which, while they have a grammatical history invented in that moment – as in a sort of happening dominated by the Idea of selection and montage – do, however, have an already lengthy and intense pregrammatical history (...) Cinema, lacking a conceptual, abstract vocabulary, is powerfully metaphoric; as a matter of fact, a fortiori it operates immediately on the metaphoric level. Particular, deliberately generated metaphors, however always have some quality that is inevitably crude and conventional (Pasolini 1988, 171-174). Na filmografia do Recife, as ações e os objetos relacionados a uma expressão de grupo constituem, tanto uma objetivamente composta representação visual do sentimento compartilhado, como uma metafórica e complexa subjetividade do afeto originado pelos participantes da cena. Articulações entre Música e Cinema Do ponto de vista da criação, a produção dos sons e das imagens no cinema, de um modo geral, é feita separadamente. O diretor e o compositor criam um mundo, cada qual com suas características intrínsecas a matéria sonora e visual e que só será representado em sua forma final, na sala escura isolada e acústica (Flores 2014, 9). O processo de produção sonora de uma obra típica de ficção é composta por: diálogos, efeitos sonoros (paisagem sonora e efeitos especiais) e música. Nesta comunicação, o nosso foco de interesse é a música: a trilha musical usada como música de fundo, atmosfera emocional, leitmotiv etc. Músicas pré-existentes, que impulsionam uma composição visual. Músicas que podem desencadear uma variedade de sentidos, como afirma Kathryn Kalinak (2010) Film music, whether it is a pop song, an improvised accompaniment, or an originally composed cue, can do a variety of things. It can establish setting, specifying a particular time and place; it can fashion a mood and create atmosphere; it can call attention to elements onscreen or offscreen, thus clarifying matters of plot and narrative progression; it can reinforce or foreshadow narrative developments and contribute to the way we respond to them; it can elucidate characters’ motivations and help us to know what they are thinking; it can contribute to the creation of emotions, sometimes only dimly realized in the images, both for characters to emote and for audiences to feel (Kalinak 2010, 1). Ao mesmo tempo em que a música (popular) no cinema, sob a ótica da recepção, incentiva a absorção do aparato tecnológico da imagem pelo espectador, do ponto de vista da produção, a utilização da trilha musical amplia o uso das possibilidades criativas em filmes contemporâneos realizados dentro do contexto das cenas musicais. As percepções sonora e visual, quando comparadas, são de natureza muito mais díspares do que se imagina. No contrato audiovisual, estas percepções se influem mutuamente, e se prestam uma a outra, por contaminação e projeção, suas respectivas propriedades (Chion 2003). A experiência de cooperação mútua entre os cineastas e músicos na cidade do Recife (em videoclipes, curtas e documentários), desencadeou uma maneira de realizar filmes narrativos que exploram, de modo deliberado, todo o potencial e referências de um universo musical compartilhado. A mimetização da cena musical do Manguebeat inspirou um cinema mais “musical”, gerando uma nova sensibilidade para trabalhar os fenômenos sonoros nos filmes de ficção, intensificando o uso de canções como trilha sonora. Graças à articulação entre realizadores e músicos, o universo da música pernambucana reaparece na adoção de uma certa ostentação musical ou, em outros termos, exibição da música (a música como regente dos procedimentos de articulação das linguagens). Nos filmes Baile Perfumado (1997) e Árido Movie (2006), por exemplo, observamos, recorrentemente, a existência de sequências que poderíamos chamar de “momentos musicais”. Essas sequências podem estar incorporadas ao enredo (como parte do percurso narrativo geral) ou podem ser dotadas de maior autonomia em relação à própria ação dramática (marcadas por um certo “deslocamento” do enredo). Em uma outra situação, as sequências se caracterizam por atualizarem momentos “pop” em que o filme para, em função de mostrar a música. Nos “momentos musicais”, o tratamento conferido à música nos filmes é comparável aos musicais e videoclipes. Com isso, a música chama atenção sobre si mesma e ganha um estatuto, nesses filmes, mais especial. Diferentemente dos filmes narrativos em geral, nos “momentos musicais”, em Baile Perfumado e Árido Movie a música não fica em segundo plano, nem é tão somente uma trilha sonora sem a preocupação de tornar a retórica musical reconhecível pelo espectador (Machado 1997, 152). Ao analisar os filmes acima mencionados, observamos sequências em que os fenômenos de exibição da música são mais evidentes pelos procedimentos da montagem técnica, a música rege o ritmo dos cortes e a duração dos planos; e linguagem de câmera, caracterizada por um virtuosismo imagético (Nogueira, 2010). As cenas musicais da cidade de Recife, desde a retomada da produção cinematográfica desencadeiam novas formas de apropriação e produção de linguagem audiovisual. A Música nos Filmes Na construção narrativa dos filmes contemporâneos produzidos na cidade de Recife, as demonstrações afetivas/musicais, estão presentes desde a ideia inicial do roteiro, como também na escolha do elenco. Pontuamos abaixo algumas manifestações afetivas previamente arranjadas relacionadas ao universo musical. A partir de uma visão panorâmica dos filmes, que vão da Retomada ao Cinema Contemporâneo, observamos as pequenas homenagens que dão vida à brodagem e à cena audiovisual local, por meio da citação da cena, dos amigos e dos filmes dentro dos filmes. São também marcas estilísticas3 do cinema pernambucano que permanecem incrustadas nos filmes e a cada nova obra se reafirmam e se repetem. Para Michel Chion (2016), a exibição no cinema não é apenas uma mostra de sons e imagens. É um conjunto de sensações temporais, táteis, e rítmicas que usam os canais visual e sonoro. As mudanças provocadas pelos aparatos técnicos da produção audiovisual e exibição ampliam a sensorialidade dessas obras. Ao observarmos por exemplo os períodos de produção cinematográfica que coexistiram com movimentos musicais é possível notar uma predileção para dar outros sentidos a utilização da música nos filmes. Não mais como reiterações óbvias ou objetivas, mas sim como parte da narrativa fílmica, com sequências planejadas para as músicas. Essa prática foi intensificada principalmente a partir do cinema norte-americano na década de 60. Nesse sentido, o diálogo entre a canção, com seus movimentos, obras e artistas que configuraram a singularidade sonora da produção musical no Brasil e a produção cinematográfica brasileira a partir da década de 60 produz desdobramentos estilísticos gerando novas maneiras de articulação entre música e imagem. Para Jeff Smith (2013), a música popular é um potente produto auxiliar na publicidade da indústria cinematográfica. Concretiza-se um esquema de promoção, dentro do qual a música explicita sua referência ao filme. Por outro lado, em certos filmes essa música (parte de um contexto de uma cena cultural) ganha um potencial na criação da imagem. Ao ser exibida nesses filmes, a música chega a deter o desenvolvimento da ação dramática, provocando quase uma “paralisação” do percurso narrativo ou, em outros termos, fazendo a própria história esperar um pouco para avançar em prol de uma determinada atuação ou performance musical. A inserção dos realizadores, roteiristas, fotógrafos, cenógrafos, músicos nos filmes faz deles o acontecimento que alimenta a própria ideia de grupo. Os realizadores procuram constituir-se como personalidades do universo cinematográfico que parte de uma cena cultural de Pernambuco, sustentando essa construção, através das suas aparições e dos seus amigos nos filmes de produzir um discurso sobre si próprio. No Baixio das Bestas (2006), o personagem Maninho (Irandhir Santos) caminha em direção a sua casa, assobiando a música tema do filme Amarelo Manga. A intenção de remeter ao universo cinematográfico do próprio Claudio Assis é clara e já pode ser observada desde o próprio Amarelo Manga (2003), quando, por Dunga, personagem do ator Matheus Nachtergaele, cantarola a música tema do filme em uma das faxinas no Hotel. Este recurso de citação a partir da música é também observado em Era Uma Vez Eu, Verônica (2012), de Marcelo Gomes. Na cena do carnaval em Olinda, onde Verônica se esbalda na celebração da carne, o frevo interpretado pela Orquestra Último Dia, do maestro Levino Ferreira, é o mesmo do seu curta-metragem Clandestina Felicidade (1998), codirigido com o diretor de Arte, Beto Norma. O filme traz fragmentos da infância da escritora Clarice Lispector, quando morou no Recife. Clarice está na janela de uma casa, quando vê um bloco de carnaval passando. Outra característica recorrente, nesses filmes, é a presença dos músicos pernambucanos nas sequências, configurando um tributo claro à cena musical local do Manguebeat e posteriormente da cena do Pós-mangue4, que emergem junto com a criação das narrativas cinematográficas. No Baile Perfumado (1997), Fred 04, líder da banda Mundo Livre SA., faz o personagem de um jornalista; Ortinho, um dos compositores da música tema do filme, Sangue de Bairro, é um dos cangaceiros do bando de Lampião, assim como Roger, ex-proprietário do bar Soparia onde a cena Manguebeat foi iniciada, que faz o papel de Corisco no filme. Há também cenas em que os próprios músicos aparecem executando suas canções, como o músico Siba e a banda Mestre Ambrósio, tocando para o bando de Lampião no Baile Perfumado (Nogueira 2010, 125). O compositor Fred 04, autor do primeiro manifesto do Manguebeat, aparece novamente no filme Amarelo Manga (2003), dessa vez em um plano-sequência em que comanda uma roda de samba no bar, ao som da música de sua autoria, Édipo, o homem que virou veículo, do terceiro álbum da banda, de 1998, chamado Carnaval na Obra. A cantora Karina Buhr, remanescente do Manguebeat, ex-vocalista do grupo Cumadre Florzinha, apresenta sua performance em uma casa noturna em Era Uma Vez Eu, Verônica (2012). A cantora interpreta a música, Mira Ira, de sua autoria. A sequência, um plano médio da cantora, no seu corpo estão direcionadas as cores luzes, e da sua música, ouvimos a síntese das emoções contidas de Verônica: “Tá tudo padronizado no nosso coração / nosso jeito de amar pelo jeito não é nosso, não.” A cantora olha para a câmera, convocando o espectador para celebrar a melancolia. Na filmografia esboçada pelo cinema contemporâneo em Recife, os afetos estão suspensos, em suspensões narrativas e fluxos temporais, seja: na aparição dos músicos da cena musical como personagens; na remissão ao universo musical local entre filmes; nas performances narrativas-musicais dos músicos e personagens (momentos musicais); no virtuosismo-imagético potencializado pela música. A partir daqui vamos nos deter na análise de sequências do filme Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, em como esse universo musical é mimetizado pela narrativa. Suspensão Narrativa e Fluxo Temporal em Tatuagem (2013) Na abertura do filme Tatuagem, um lento plano-sequência desvenda um lugar em ruínas, pouco iluminado e colorido. Ao fundo, uma voz over convida para um espetáculo: “A mais nova noite do Recife! A noite que abala o quarteirão e faz tremer toda forma de autoridade! A Moulin Rouge do Subúrbio! A Broadway dos pobres! O Studio 54 da favela! Bem-vindos ao Chão de Estrelas!” Muitos aplausos. Corta. Um jovem sentado em uma cama, pensativo. A câmera se afasta à medida que a trilha ganha mais altura e sonoridade. A mistura de sons de guitarra ganha vida no inconsciente do personagem, na confusão de pensamentos que permeiam sua mente. A música é cortada bruscamente pela batida da porta. Um tenente, num estilo Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, entra e avisa que o pelotão tem três minutos para chegar ao pátio. Os soldados se apressam para sair do quarto. Corta. Nordeste do Brasil, 1978, a ditadura militar ainda atua no país. Um grupo de artistas, conhecido como Chão de Estrelas, provoca a moral e o poder com seus espetáculos e interferências públicas. Em um teatro/cabaré, localizado na periferia entre duas cidades, o grupo, juntamente com intelectuais e artistas, ensaia a resistência política a partir do deboche e da anarquia. É dentro desse contexto histórico e social que Hilton Lacerda, constrói o romance entre Clécio (Irandhir Santos) e Fininha (Jesuíta Barbosa). Clécio, o líder do grupo Chão de Estrelas e um jovem militar do interior que presta serviços na capital. Entre o profano, o sagrado e o censurado, as várias narrativas dos personagens, do grupo Chão de Estrelas e dos núcleos familiares, são entrelaçadas a partir da música. Tatuagem (2013) é o primeiro longa-metragem de ficção de Hilton Lacerda. O diretor e roteirista pernambucano foi responsável pelos roteiros dos filmes Baile Perfumado, Amarelo Manga, Baixio das Bestas, Árido Movie, acima mencionados e também pela codireção (com Lírio Ferreira) do longa Cartola: Música para os Olhos (2007). A relação do diretor com música remete ao início de sua carreira. Na década de 1990, Hilton Lacerda inicia o projeto Dolores & Morales, juntamente com Helder Aragão6 (Dj Dolores). A dupla é responsável pela capa do disco “Da Lama ao Caos” de Chico Science & Nação Zumbi. E também pela realização de diversos videoclipes para músicos da cena Manguebeat, entre eles “Homero Junkye”, da banda Mundo Livre S/A, e “Etnia”, da banda Loustal, de Chico Science. Da trajetória individual ligada a história do Manguebeat e da visualidade que ecoava dos primeiros acordes de guitarra e dos tambores de maracatu, foi se desenvolvendo esse cinema narrativo musical. Um cinema intermediado pela música, na construção das sensações temporais, táteis e rítmicas. Em entrevista concedida aos diretores Lúcia Nagib e Samuel Paiva, para o filme-ensaio Passages7(2019), Hilton Lacerda relata: A trilha do filme está ligada à construção do roteiro. O filme funciona como uma espécie de opereta. Seria uma nova leitura de uma possibilidade de musical. As letras das músicas estavam escritas no roteiro no sentido de indicação e ganhavam um novo corpo. Helder além de ser o diretor musical do filme fazia as composições e trazia os temas que tivessem haver com aquilo. Uma das questões mais importantes na questão do roteiro e da narrativa é a trilha sonora. (Hilton Lacerda 2019) A questão sonora foi pensada e trabalhada de forma orgânica no filme. Uma intensa decupagem do som foi realizada de maneira conjunta entre o técnico de som, o diretor musical, o diretor e demais integrantes da equipe. Desde da criação do roteiro, da produção (filmagem), ao processo de pós-produção, a narrativa estava sendo guiada pelo fluxo musical e teatral dos espetáculos do Chão de Estrelas (Santos 2014). Em Tatuagem, tudo se encaixa numa intensa fluidez: a cor, o som, o movimento, a música, os personagens. A câmera é conduzida com virtuosismo ao longo dos planos sequências. As imagens pictóricas e granuladas, das paisagens em Super-8 servem como transição ao longo da narrativa. Trazem para dentro: os coqueiros, os raios, o vento, a cidade e a estátua, para a década de 1970. O filme é repleto de planos gerais com o núcleo de personagens em quadro. Ações acontecem em primeiro e segundo plano ao mesmo tempo, onde ouvimos todas as vozes dos personagens em cena (algo que lembra muito A Festa da Menina Morta, dirigido por Matheus Naschtergaele) a cidade do interior de Fininha tem o clima da cidade do Baixio das Bestas. A trilha sonora é composta por quinze músicas pré-existentes e dez músicas originais. A primeira cena musical ocorre aos nove minutos do filme. A execução da música (não diegética), “Fui Humilhado” da banda Academia da Berlinda. Esse primeiro momento musical funciona como curto videoclipe com diferentes planos de Clécio e Paulete (Rodrigo Garcia) se divertindo na praia. A música invade a narrativa pela segunda vez aos doze minutos do filme, é a Ave Maria, de Franz Schubert, apresentando a família de Fininha. A música funciona como uma réplica dos personagens, intercalando as narrativas de apresentação do universo dramático de Clécio e Fininha. Até o grupo Chão de Estrelas tomar a narrativa com suas apresentações. Os espetáculos do Chão de Estrelas ultrapassam a tela. Os corpos dos personagens do Chão de Estrelas têm seus movimentos visualmente intensificados por uma câmera que os acompanha como um parceiro no palco. As cenas internas têm pouca luz e muita cor, a poesia visual está na perfeita harmonia entre a fotografia e a arte. Os planos-sequências e os movimentos circulares tornam os movimentos dos corpos de suas personagens ações expressivas que articuladas ao som do filme provocam verdadeiras suspensões narrativas. No limiar de uma estética relacional, o espectador se desloca para aquele ambiente. A encenação transforma os corpos em acontecimentos, experiências vivas. Há uma manipulação da textura cinemática dos corpos em torno dos sentimentos. As interpretações musicais são verdadeiras suspensões temporais, como na apresentação do cantor e compositor Johnny Hooker, cantando Volta, música de sua autoria. A música é executada ao vivo e define o ritmo dos movimentos da câmera e preenche a atmosfera do teatro/cabaré. As cores azul, vermelha e verde ocupam o espaço. Fortes e contrastadas evidenciam as ruínas do lugar e o estado de espírito do grupo. A casa de espetáculos do Chão de Estrelas é o lugar do sentimento. Outra suspensão temporal na sequência. A apresentação musical de Clécio é antecipada pela apresentação do filme, Prosopopéia Herética, em Super-8, com poesia narrada por Clécio.. O palco está escuro. A única fonte de luz é da imagem projetada. Contraluz do corpo de Clécio. O som das cordas de um violão. Uma luz é direcionada a Clécio, no palco vestido de brilhos e um casaco de pele, com flor no cabelo, calça dourada colada, acende. Clécio levanta, à medida que canta Esse Cara (música de Caetano Veloso, conhecida pela interpretação de Maria Bethânia). Clécio interpreta a música numa performance de conquista. Ao final da interpretação, mantém os olhos fixos em Fininha, que está na plateia. Referência do rosto de Fininha desfocado em primeiro plano. Ao fundo Clécio o mira envolventemente. Fininha é invadido pelo brilho envolvente de Clécio. O instante dos dois é bruscamente rompido pelos aplausos à interpretação de Clécio. O ator recebe os aplausos desconcertado. Fininha, com o rosto agora focado, evidencia uma ansiedade. A partir do primeiro encontro entre Clécio e Fininha, a trilha sonora funciona como a personagem que embala o romance do casal. Entre a anarquia dos espetáculos do teatro cabaré, em meio aos cômodos do casarão do Chão de Estrelas, a música interpretada por Dolores Duran, é bailada intimamente por Clécio e Fininha e tem toda a intensidade de um segundo encontro. São opostos (o soldado e o ator) que se aproximam a cada passo dado. O plano-sequência tem início na radiola onde Clécio põe um disco. A música, A Noite do Meu Bem, interpretada por Dolores Duran, envolve o ambiente. Fininha o observa pelas frestas da janela, caminha até a sala. Um diálogo sobre os nomes dos dois se estabelece. Clécio, sempre num tom sensual provocativo, convida Fininha para dançar. Trocam algumas palavras no entrelace dos corpos envolvidos pelo movimento. Clécio se apossando pouco a pouco do corpo de Fininha. Fininha demonstra curiosidade. A partir dali, percebemos que o encontro dos corpos já foi comungado. Clécio pergunta a Fininha: Tu já beijou um homem? Fininha olha para os lábios de Clécio e o beija. Tatuagem é corpo, cor, música e afeto. Os próximos encontros do casal são marcados por momentos de discussão, movimentos, paixão e celebração. Fininha ajuda na mudança para o casarão, participa das festas e se envolve com Érico, um dos atores da trupe. Clécio é possuído de ciúme por Fininha. Os encontros dos dois amantes expõem a dificuldade em viverem juntos. Há uma evidente incompatibilidade entre a construção da liberdade e a ditadura militar, entre o amor e o real. Em Tatuagem, a intensidade do afeto que exala dos corpos cinematográficos se põe ao espectador. No desvio, no dissenso, nos opostos. O afeto está nas cores, luzes e no brilho do cabaré. Na organicidade da câmera circular permite ao espectador observar com fluidez os espaços. Na música que preenche toda a atmosfera e extrapola a sensorialidade da imagem. O filme termina com a exibição dos filmes do professor Joubert (Sílvio Restiffe), personagem inspirado no cineasta Jomard Muniz de Britto8. Ao ser questionado, por uma repórter, sobre o filme que vai exibir, Ficção e Filosofia, Joubert responde: “O mais importante não é o que as pessoas vão ver, mas o que elas deixarão de ver”. A poesia do cinema está fora do filme, no que não está visível aos olhos, no que não percebemos subjetivamente, naquilo que não podemos mensurar. Nas suspensões poético narrativas, no fluxo temporal sonoro e visual. Ali está o afeto. A consumação do encontro amoroso, entre Clécio e Fininha, sugere a transcendência do afeto em relação ao humano e ao mundo. Tatuagem, mais do que sentimentos ou afetos, é um filme sobre amor. Como diziam os cartazes do filme colados nos postes das cidades, onde o filme estreou: “Tatuagem. Traz o amor de volta em 90 minutos.” Conclusão Ao observarmos como a retomada da produção cinematográfica na cidade de Recife vai coexistir com a eclosão da cena musical do Manguebeat é possível notar uma predileção para trazer esse universo musical em prol de uma interpretação audiovisual. Não como reiterações óbvias ou objetivas, mas sim como parte da narrativa fílmica, com sequências criadas para as músicas. No cinema contemporâneo em Pernambuco há uma assimilação do fenômeno musical no contexto da criação artística dos filmes. O cruzamento das cenas da música e do cinema, produz desdobramentos estilísticos na montagem dos filmes. A música é incorporada pela narrativa como parte de uma experiência visual performática. Os filmes são dotados de “momentos musicais”, de fluxos temporais regidos por um virtuosismo sonoro-imagético e de suspensões da narrativa para exibição da música. Tais “momentos musicais” podem ser relacionados com a visão sinestésica do cinema de montagem de Eisenstein (1990), na qual elementos característicos de cada natureza são combinados de maneira única. Dessa forma, a música, a fotografia, a mise-en-scène são associados em prol de uma experiência sinestésica. Já no âmbito na narrativa fílmica, os momentos musicais, ao serem articulados pela montagem, podem ser compreendidos como uma narrativa alternativa dentro desse processo. A trilha sonora, para além de articular os elementos expressivos de distintas natureza é também elemento privilegiado na proposição das organizações temáticas e na construção espaço temporal. Entre os usos esperados e inesperados da articulação entre os fenômenos, visual e sonoro, desenvolve-se uma montagem mais musical no cinema recifense contemporâneo. Notas finais 1 Termo utilizado para designar a cena musical pernambucana que surgiu na década de 90 na cidade do Recife, que mistura ritmos regionais com rock, hip hop e música eletrônica e que teve como percursores as bandas Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, entre outras. 2 Estamos tratando nessa comunicação da produção referente à um grupo de cineastas que começou a realizar cinema na cidade do Recife a partir da década de 80 e os quais estiveram envolvidos na realização do filme Baile Perfumado e consequentemente na retomada do cinema pernambucano, do qual fazem parte: Adelina Pontual, Claudio Assis, Hilton Lacerda, Lírio Ferreira, Marcelo Gome e Paulo Caldas. 3 Sobre marcas estilísticas do cinema em Pernambuco cf. Nogueira 2010. 4 Pós-mangue é a cena musical alternativa que surgiu a partir dos anos 2000, de sonoridades completamente distintas, provindas do indie, rocker, psicodélico, entre tantos outras. São expoentes do Pós-mangue: Mombojó, Volver, Johnny Hooker, A Comuna etc. Sobre o Pós-Mangue cf. Maia Jr. 2012. 5 O cantor e ator Johnny Hooker nasceu na cidade do Recife em 1987. Ganhou o Prêmio da Música Brasileira como Melhor Cantor na categoria Canção Popular no ano de 2015. Compôs a música “Volta” à pedido do diretor Hilton Lacerda para o filme Tatuagem. 6 Helder Aragão, conhecido como DJ Dolores é o autor da trilha original de Tatuagem. 7 O filme-ensaio Passages: travelling in and out of film through Brazilian geography (2019), dirigido por Lúcia Nagib e Samuel Paiva, propõe uma reflexão sobre a produção que emerge no Brasil a partir da Retomada do Cinema Brasileiro. As entrevistas com os realizadores estão disponibilizadas na íntegra no website do Intermidia Project: https://research.reading.ac.uk/intermidia/passages/ 8 Jomard Muniz de Britto é escritor, agitador cultural e um dos mais prolíficos realizadores em Super 8 de Pernambuco. Participou do movimento tropicalista nos anos 70 e manteve uma forte ligação com o grupo Vivencial Diversiones, no qual foi inspirado o grupo Chão de Estrelas. Bibliografia Bazin, André. 2013. Pour un cinéma impur – défense de l’adaptation. In Qu’est-ce que le cinéma? Paris: CERF, 81-106. Chion, Michel. 2016. A audiovisão : som e imagem no cinema. Traduzido por Pedro Elói. Lisboa : Texto & Grafia. _______. 2003. Film Sound as Art. Traduzido do francês por Claudia Gorbman. New York: Columbia University Press. Eisenstein, Sergei. 1990. O Sentido do Filme, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Flores, Virginia. 2013. Além dos limites do quadro: o som a partir do cinema moderno. Tese de Doutoramento, Universidade Estadual de Campinas. Kalinak, Kathryn. 2010. Film Music: A Very Short Introduction. New York: Oxford University Press. Machado, Arlindo. 1997. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus. Maia Jr., Ricardo. 2012. Entrelugares: notas críticas sobre o pós-mangue – Recife: José Juvino da Silva Júnior. Nogueira, Amanda M. C. 2014. A Brodagem no Cinema em Pernambuco. Tese de Doutoramento, Universidade Federal de Pernambuco. _______. 2010. O novo ciclo de cinema em Pernambuco: a questão do estilo. Recife: Editora Universitária. Pasolini, Pier Paolo. 1988. Heretical Empiricism. Editado por Louise K. Barnett. Michigan: Indiana University Press. Santos, Marcos. 2012. Tatuagem: de dentro para fora, um estudo do processo de criação a partir do roteiro do filme. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco. Sennett, Richard. 2012. Juntos. Os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro: Record. Smith, Jeff. 2013. The Sound of Intensified Continuity. In The Oxford Handbook of New Audiovisual Aesthetics. Organizado por John Richardson, Claudia Gorbman e Carol Vernallis. New York: Oxford University Press. Straw, Will. 2002. Cities/Scenes. Toronto: Public Access/York University. Filmografia Amarelo Manga. 2003. De Claudio Assis. Brasil: California Filmes. DVD. Árido Movie. 2006. De Lírio Ferreira. Brasil: Europa Filmes. DVD. Baile Perfumado. 1997. De Paulo Caldas e Lírio Ferreira. Brasil: Imovision. DVD. Baixio das Bestas. 2006. De Claudio Assis. Brasil: Imovision. DVD. Cartola: Música para os Olhos. 2007. De Hilton Lacerda e Lírio Ferreira. Brasil: Europa Filmes. DVD. Clandestina Felicidade. 1998. De Marcelo Gomes e Beto Normal. Brasil: Cinemateca Pernambucana. Online. Entrevista com Hilton Lacerda para o filme Passages. 2019. De Lúcia Nagib e Samuel Paiva. Intermidia Project. Online. Era uma vez eu, Verônica (2012). De Marcelo Gomes. Brasil: Imovision. DVD. Tatuagem. 2013. De Hilton Lacerda. Brasil: Imovision. DVD. Publicação original: https://publication.avanca.org/index.php/avancacinema/article/view/60
- Tatuagem: de dentro para fora, um estudo do processo de criação a partir do roteiro do filme
Por Marcos Antonio Neves dos Santos. Seq.01 Passado I (memória/interna/ cor viva/ som direto) Fazia cerca de três ou quatro meses que havia me formado, estava sentindo aquele mal estar típico de quem acabou de terminar o curso caracterizado por um certo alívio misturado à angústia. Algumas perguntas em mente, a primeira era: E AGORA? A segunda pergunta eu revelo no próximo parágrafo. No que diz respeito ao dinheiro... bem, consegui fazer uma reserva acumulada durantes alguns estágios, freelas e uns roteiros que tinha feito para publicidade. Somado a isso tinha uma bolsa oriunda de um curso de Pós-graduação em Jornalismo e Crítica Cultural na UFPE, lá eu fazia serviços administrativos e tinha como chefe o bonachão Zé Carlos, que entre uma planilha de excel e outra, conversávamos sobre A Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém, Lula Côrtes, Ave Sangria, movimento Super8, Teatro Vivencial Diversiones, dentre outros assuntos da contra cultura Pernambucana. (corta) Seq.02 Passado II (memória/interna e externa/ cor viva/ som direto) Olhar o comercial na televisão e ver o meu roteiro literalmente sumir, gerava em mim uma grande angústia, mas pensava: é publicidade, deve ser assim mesmo. Contudo, ter que dizer à um brother para tirar o meu nome de um curta porque o roteiro que havia escrito virou pó, já era outra história, e me levava a uma outra pergunta: como um roteiro vira filme? Minto, há mais duas perguntas: será que é assim mesmo que rola? Ou será que eu não sei escrever? Só me restava estudar, pesquisar. (flashforward) Passei a assistir as sequências de filmes e tentava roteirizá-las, depois comparava com a versão original. Ou lia os roteiros antes de ver os filmes e posteriormente tentava realizá-los imageticamente em minha cabeça. Não raro esses roteiros eram de autoria de Hilton Lacerda. Tal contato aumentou ainda mais a minha admiração pelo roteirista. Ao comparar o filme com o roteiro, e vice-versa, inúmeras indagações surgiram e uma delas era: como o roteiro de Hilton vira filme? Como ocorre esse processo? Realizar essa pesquisa me pareceu um caminho natural, tendo acabado de sair da universidade, voltar para a UFPE com mais autonomia e com uma bolsa de pesquisa (outros tempos) seria um sonho! Seq.03 Brodagem (Em toda esquina/externa/cor- som direto) Por intermédio de um amigo, Jerônimo Lemos, soube que Hilton Lacerda iria realizar o seu primeiro longa-metragem, o qual seria gravado em Olinda. O filme se chamava Tatuagem e se passava nos anos 70. Era uma história de amor entre um soldado do exército e um líder de uma trupe de teatro. Após conversarmos um pouco, cheguei à conclusão de que uma das formas de compreender como se daria essa passagem do roteiro para o filme seria indo ao set e acompanhando o processo ocorrer diante dos meus olhos. Não demorou muito para que eu lançasse a ideia de acompanhar o filme para o professor Paulo Cunha, que viria a ser, mais à frente, o meu orientador no mestrado, e que me deu todo o apoio para que eu me lançasse na empreitada, e também para Jerônimo Lemos, que coincidentemente é sobrinho de Hilton Lacerda e estava trabalhando como terceiro assistente de direção no filme. Jerônimo foi responsável por fazer uma verdadeira ponte de ligação entre mim e Hilton Lacerda, que prontamente apoiou a minha ideia. Ele me forneceu o roteiro do filme, e foi aí, no momento da leitura do roteiro, que vim saber que o filme tinha como referência afetiva o Vivencial Diversiones. ( corte) Seq.04 Sobre os afetos (Em toda esquina/externa/cor- som direto) Se o cinema é uma arte de irmãos (parafraseando Lírio Ferreira, que teoricamente parafraseou os irmãos Lumiére, lendas pernambucanas), acredito que a pesquisa também é. Eu só sei fazer pesquisa e cinema com os meus amigos, com quem gosto e pelos objetos que estou apaixonado, por isso aceitei com felicidade ao convite de Amanda Mansur, que também acompanhou muito desse processo, para partilhar com vocês essa dissertação que mais do que a compreensão do processo criativo do tatuagem, visa, dividir as aventuras, as paixões e o eterno devir da pesquisa. Boas leituras. Sobre Marcos Santos: Doutorando no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (2019). Membro integrante do grupo de pesquisa Cultura e Subalternidades: epistemologias da subalternidade no cinema brasileiro contemporâneo (2020) Mestre em Comunicação (2014) pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduado em Comunicação Social (2010), com ênfase em Radialismo e TV, pela UFPE. Trabalhou como professor dos cursos de Cinema e Radialismo tv e internet, nas faculdades integradas Barros melo- AESO. Foi professor dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda no Centro Universitário Joaquim Nabuco - UNINABUCO. É professor substituto do instituto federal de educação, ciência e tecnologia da Bahia, Campus Santo Antônio de Jesus. Link da Dissertação: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/17183
- Novidade, imaginário e sedentarização: o espetáculo cinematográfico no Recife (1896-1930)
Em 2014, enquanto cursava o curso de História pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), resolvi frequentar algumas disciplinas no departamento de Cinema. Dessas disciplinas, uma me chamou atenção: Cinema Brasileiro, ofertada pelo professor Paulo Cunha. Ao participar de suas aulas, iniciei um processo de aprendizado sobre a História do Cinema Brasileiro, onde pude conhecer melhor sobre esse campo de pesquisa. Ao ampliar as leituras fui me interessando pelo período denominado Cinema Silencioso. Li obras hoje consideradas seminais para compreender minimamente como o cinema tinha chegado e se difundido pelo Brasil. Percebi que já existia uma significativa bibliografia sobre essa temática nos estados do sudeste e sul, resultando em dissertações, teses, artigos e livros. A partir desse ponto, comecei a buscar obras que narrassem a história do cinema em Pernambuco, saindo do espectro macro e indo para o local. À medida que estava pesquisando sobre o período silencioso no Recife, observei que não havia quase nenhuma obra sobre quais ou quando os equipamentos cinematográficos tinham desembarcado nessa cidade. A maioria dos estudos focava no Ciclo de Recife, dando poucas informações sobre o que ocorrera antes. Foi, portanto, neste momento que encontrei meu objeto de investigação, compreender como ocorrera a inserção do cinema no período de itinerância, da sua chegada até o funcionamento das primeiras salas. Tendo como principal fonte os jornais da época, inferi que a partir de 1896, Recife começou a receber equipamentos cinematográficos. Por meio desses vestígios foi possível localizar em quais lugares aconteciam essas exibições, quem eram as companhias que ficavam por alguns dias na cidade, textos informativos da imprensa sobre as sessões, bem como possíveis filmagens produzidas e exibidas em lugares adaptados para tal finalidade. A pesquisa analisou um período de 13 anos, até 1909, quando a primeiras salas especificas foram criadas, a Pathé e a Royal. Ou seja, verificamos o inicio do processo de inserção do cinema em Recife. A dissertação foi defendida em agosto de 2018, na UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), no programa de Pós-Graduação em História. Nela, pude dar contribuições significativas para o período silencioso em Recife. Esta obra é fruto de seu tempo, hoje observo limitações em sua análise, bem como, lacunas ainda por serem preenchidas. Mas o ofício do historiador não seria esgotar essas lacunas, mas sim conceber e proporcionar outras reflexões e problematizações a cerca de seus objetos de estudo. Espero que esse texto possibilite novas ideias e questões para que possamos enriquecer a História do Cinema em Pernambuco. Sobre Felipe Davson: Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi mediador e pesquisador da Cinemateca Pernambucana. Co-dirigiu e produziu o Curta O colecionador (2020). Atualmente desenvolve pesquisas sobre a História do Cinema em Recife no período silencioso, com ênfase na formação de uma cultura cinematográfica e como tal processo se constituiu nessa cidade. Link da Dissertação: http://www.tede2.ufrpe.br:8080/tede2/handle/tede2/7807
- A Palhaça
"A Palhaça" (2021), curta produzido por Dayane Jeniffer, foi livremente inspirado no curta-metragem "O Palhaço Degolado" (1977) de Jormard Muniz de Brito. O filme relata as complicações do Brasil atual, como era também na época de Jomard.
- Roupa de Cinema: Uma análise da produção cinematográfica pernambucana pela perspectiva do figurino
Organizado pela figurinista Ana Cecília Drumond, o livro estará disponível para download gratuito a partir de 15 de maio, em formato e-book, no site da editora Vacatussa. Com o objetivo de pensar o audiovisual pela perspectiva do figurino, a figurinista Ana Cecília Drumond desenvolveu o livro "Roupa de Cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano". Dividido em duas partes, o livro conta com depoimentos de profissionais figurinistas e artigos de pesquisadores do assunto. A obra traz um panorama do cinema pernambucano realizado nas últimas três décadas, com referência a 59 produções audiovisuais feitas no estado. Das quais 35 são analisadas pelos figurinistas, revelando conceitos e detalhes de bastidores, usando como exemplo obras premiadas como Bacurau, Tatuagem, Amarelo manga e Cinema, aspirinas e urubus. Ao todo, 10 figurinistas que trabalham no cinema de Pernambuco foram entrevistados por Ana Cecília e Julio Cavani. São eles: Beto Normal, Andrea Monteiro e Paulo Ricardo, profissionais presentes no início da retomada do cinema pernambucano. Além de Babi Jácome, Libra, Rita Azevedo, Chris Garrido, Sosha, Maria Esther de Albuquerque e Joana Gatis. Nos depoimentos, eles falam do começo de suas trajetórias, suas formações, processos criativos, métodos de trabalho, o papel do figurino na construção narrativa e as soluções encontradas em meio às dificuldades para se adequar aos limites de tempo e orçamento. Roupa de Cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano" será lançado, no dia 29 de maio, às 16h, através de uma live no Instagram, com a organizadora Ana Cecília Drumond, o jornalista Julio Cavani e o pesquisador André Antônio. A transmissão será feita pelo perfil da editora @vacatussa.editora e do projeto @roupa_decinema. Os interessados em adquirir o livro, ele estará disponível para download gratuito a partir de 15 de maio, em formato e-book, no site da editora Vacatussa (www.vacatussa.com.br). Projeto viabilizado pela Lei Aldir Blanc. Serviço: Live de lançamento do livro Roupa de Cinema: o design de figurino no audiovisual pernambucano Data: 29 de maio Hora: 16h Onde: Instagram da @vacatussa.editora e @roupa_decinema Sobre ANA CECÍLIA DRUMOND: Participou diretamente da construção visual do frutífero momento atual do cinema pernambucano como figurinista de filmes de importantes cineastas da nova geração, como Tuca Siqueira, Felipe André Silva, Marcelo Lordello, Juliano Dornelles, Daniel Bandeira, Pedro Sotero e Tião. Trabalhou também como assistente em longas como O som ao redor (2012) de Kleber Mendonça Filho e Boi neon (2015) de Gabriel Mascaro. No mercado audiovisual, atuou ainda em campanhas publicitárias e foi figurinista do episódio-piloto de Delegado (2018), série de TV da Trincheira Filmes. Em 2017, fez curso de figurino na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba. Em oficinas, foi aluna de profissionais de referência,como Luciana Buarque, Jum Nakao, Beto Normal e Hubert Arvet-Thouvet. Nasceu no Recife e é neta de costureira.
- A arte contemporânea e híbrida de Flávio Emanuel
Transgressora, polêmica, híbrida, multimídia, livre, abstrata. Essas são algumas palavras que poderiam descrever o trabalho do artista plástico Flávio Emanuel. Natural de Recife, Flávio mesclava diversas artes na tentativa de descrever a maior arte que existe: seu interior. Através de pinturas, vídeos, performances, instalações, intervenções urbanas e toy arts (“brinquedos de arte”), o recifense apresentou um mundo que discute temas polêmicos como, por exemplo, sexo e religião. Ele incluia seu particular, mas abria espaço para uma interpretação política e, acima de tudo, imersiva. Suas obras carregam uma propriedade muito forte que vem por meio dos traços grossos, além das cores tropicais que lembram o calor da sua cidade natal e de onde sempre atuou. Flávio participou de grupos importantes da arte plástica pernambucana nos anos 80, sendo aluno de José de Barros, nome de referência para a área artística da época. Foi em 1987 que participou pela primeira vez do catálogo do Salão da Arte Contemporânea, onde posteriormente participou novamente em 1988 e 1993. Suas obras rodaram o mundo, chegando a ter exibições em São Paulo e Rio de Janeiro, assim como também em Paris no ano de 2005. A resistência da arte que Flávio tanto prezou vai além das telas e das mesas de trabalho. Ele foi um dos idealizadores da TV Tumulto, um centro cultural que preza a arte como ativismo e também um dos fundadores do N.A.V.E., Núcleo de Artes Visuais e Experimentos. Ambos projetos dão espaço para artistas de diversas áreas apresentarem sua forma de expressão sem censura e com total liberdade, pontos que Flávio colocava como indispensáveis na arte em geral e principalmente na sua. As artes coloridas e livres conversam principalmente com a idealização do projeto em geral. A originalidade surge a partir disso e da fusão entre os outros tipos de arte, como por exemplo na sua exibição T.I.E. (Teoria da Interferência Externa), realizada em 2013 no Solar da Marquesa. O espaço, que é dividido em dois andares com salas expositivas, bazares, uma copa e uma área de imagem e som, ofereceu uma base para Flávio apresentasse de uma forma multimídia. Foram utilizadas várias formas artísticas como a pintura, a performance, a intervenção e o video mapping. Divididas em séries, as pinturas seguem uma linha de conceito que varia para cada espaço de exposição. Uma delas, a Pink Crime, descreve com cores rosadas a experiência de rua que o pintor teve na sua vida. Contrastando a cor forte, outra série composta agora com o fundo branco e com traços coloridos foi apresentada. Além disso, a interação com o público se torna mais maleável com quadros pintados com tinta fluorescente, em que o visitante só consegue visualizar com auxílio de uma luz negra. A relação do criador, obra e espectador é intensificada através da interatividade. Já Time Is Monkey, outra série da exposição, é apresentada em video mapping, um método de exibição de um vídeo em superfícies irregulares. A sala escura é iluminada por três vídeos acontecendo ao mesmo tempo, emergindo ainda mais quem adentra o local. “Este texto vai permear toda a exposição. É um momento meio autobiográfico, meio ficção. É minha experiência, minha existência.” A existência da arte é política, e Flávio nunca esqueceu disso. Pinturas e intervenções que criticam o autoritarismo e a censura fazem parte do acervo rico do artista, que representou sua resistência em diversas linguagens. Ele afirma que ao fazer isso, convergiam gerações. Uma conversa entre a sua geração e a geração mais nova. No dia 3 de abril de 2021, Flávio Emanuel faleceu, porém sua arte faz dele vivo. A marca contemporânea que o próprio deixou em centenas de obras espalhadas pelo mundo é extremamente significativa para a cultura pernambucana. A originalidade e criatividade que suas obras permeiam apresentam uma feição do estado que, devido a estereotipação, não são imaginadas. O movimento plástico contemporâneo está intrínseco na raiz de Pernambuco, mas por muitas vezes é invisibilizado. Flávio é resistência ao participar de projetos que lutaram pelo espaço livre e democrático para uma arte que tanto diz e tanto mostra. Flávio é resistência por ser arte. A arte plástica contemporânea é resistência. Texto escrito por Samara Torres bianca.torres@ufpe.br
- Da infância ao lado de minha avó e da máquina de costura à luta por uma indústria da moda consciente
Um relato sobre a produção de “Pega-se Facção”, curta de Thaís Braga. Por Thaís Braga* Durante a minha infância brincar com agulhas, tecidos e linhas fazia parte da rotina. Passava as tardes sentada no chão, ao lado de vovó Zeza, enquanto ela costurava, ouvindo o barulho do motor da velha máquina de costura de ferro. À medida que o tempo passou meu interesse pela costura foi aumentando, passei a querer entender melhor como funcionava aquela máquina e como vovó conseguia fazer de um pedaço de pano a roupa que me vestia. Na minha família o curso técnico profissionalizante era muito importante, foi a partir dele que vovô Cidinho aprendeu sua profissão de torneiro mecânico e sustentou seus cinco filhos. Eu também quis fazer o curso técnico e ter uma profissão. Escolhi cursar Produção de Moda no Senai. Quando cheguei na fase de tentar vestibular, não tive dúvidas, queria continuar na profissão, quis ir para Caruaru estudar no Campus interiorizado do Agreste. Com o passar dos anos fui vivenciando a cidade e acredito que ela foi me transformando. Andava pelas ruas e sempre escutava o barulho das máquinas de costura, de dia e de noite, sem parar. Não era aquele barulho de máquina que vinha de uma memória afetiva, era um motor diferente, apressado e contínuo. Ouvi que havia uma cidade lá perto, onde o rio muda de cor acompanhando a moda. Conheci a tal "costura de facção". A maioria dos meus amigos caruaruenses tinham família que trabalhava na feira. Alguns cresceram tirando pelo e ajudando as mães na costura. A segunda indústria que mais movimenta a economia no mundo é sustentada por um modelo de produção apoiado na precarização do trabalho, que além de não trazer bem-estar e segurança, ainda adoece. São gerações e gerações vivendo no ritmo frenético do fast fashion (moda rápida) e da feira. Praticamente toda semana uma nova coleção, um novo modelo. Mas é por produção que o trabalho é pago, então, quanto mais você produz, mais você ganha. Queria entender melhor como tudo aquilo funcionava. Foi no Grupo de Estudos Sextas de Barro que comecei a estudar alienação, terceirização, precarização, todas numa perspectiva de classe. Adentrei de cabeça no movimento estudantil, na luta urbana, frequentava reuniões com movimentos sociais da cidade e do campo, partidos e sindicatos. Após assistir “The True Cost” (2015), documentário que explora as relações de trabalho e os impactos causados pelo consumo exacerbado de produtos em sistema de fast fashion, me senti incomodada por perceber que, principalmente nas aulas de Moda, as pessoas comentavam sobre o assunto com um certo distanciamento. Quando bastava um olhar mais atento às ruas de Caruaru para perceber que não estávamos tão distantes daquela realidade. No espaço acadêmico compreendi que estar em uma universidade era mais do que ocupar uma cadeira e assistir aula. As aulas de Moda foram dando lugar às aulas de Comunicação Social mais voltadas ao audiovisual. Integrando o Laboratório de Análise da Imagem do Agreste, o LAISA, tive a oportunidade de estudar cinema, inclusive, sendo pesquisadora Pibic, desenvolvendo pesquisas sobre documentário pernambucano sob orientação de Amanda Mansur. Nos anos em Caruaru a minha aproximação com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra foi se desenvolvendo não só no campo da luta, mas também no afeto. Meu companheiro na época, Marcos Amorim, era militante sem-terra e atuava na Residência Multiprofissional em Saúde do Campo da UPE em parceria com a Fiocruz e o MST. Em seu território de atuação realizava grupos de atividade física com costureiras em assentamentos da reforma agrária. Marcos me contava as histórias das costureiras e seus familiares, os processos de adoecimento físico e psicológico os quais se desenvolviam naquelas comunidades que viviam no ritmo frenético da costura. Um desses territórios era o assentamento Veada Morta, localizado no distrito de Cachoeira Seca, zona rural de Caruaru. Assim surgiu a ideia de produzir um documentário sobre o trabalho da costura em Cachoeira Seca como trabalho de conclusão de curso. Além do suporte de Marcos Amorim, Amanda Mansur, como orientadora e Camilla Barbosa, como amiga e produtora, contei com a ajuda de amigos queridos nesse processo. Havia montado um coletivo de Design que mais tarde viria a ser uma marca, a Las Lobas, com produção baseada no slow fashion (moda lenta), era o sonho de fazer moda de maneira totalmente oposta ao que era encontrado em Caruaru. Minha função, além da gestão coletiva, era a costura. Como boa parte das micro empresas de moda, que buscam nadar contra a corrente, Las Lobas não sobreviveu. Mas acredito que ter essa vivência no mercado da Moda foi fundamental para desenvolver ainda mais a empatia às costureiras. Passei a frequentar o Veada Morta, por semanas fui com Marcos e suas colegas de turma para o assentamento. Passava algumas horas sentada ao pé das máquinas de costura de D. Maria, D. Luciene, Micaeli, Rosângela, Eduarda e Sivoneide, que abriram suas portas para mim, permitindo que eu conhecesse suas histórias de vida. Sempre comentava sobre vovó e a troca ia acontecendo. Para mim a ética do documentário sempre foi uma questão importante. E eu sabia que para adentrar numa comunidade rural, dentro das casas dessas mulheres, era preciso chegar com respeito e empatia. Esse foi um dos motivos que nos levaram a montar uma equipe totalmente feminina. Queríamos que fosse uma história sobre mulheres contada por mulheres. Fizemos uma visita ao assentamento com toda a equipe, não só para que pensássemos as questões ligadas a técnica, mas também para que houvesse uma interação entre nós e as costureiras antes de chegarmos com todos os equipamentos de filmagem. Naquela semana que estivemos no Veada Morta fomos acolhidas pela família de D. Luciene e Micaeli. O clima era de afeto e aprendizado. As crianças queriam saber como funcionavam os equipamentos, nós aprendíamos com elas como funcionava toda a cadeia de confecção e como se dividiam entre os cuidados da casa, das crianças, da costura e do roçado. A nossa interação como equipe também fluiu muito bem. No final das entrevistas, D. Luciene convidou-nos para um almoço especial na casa dela. Voltamos para casa com as imagens, sons e certezas que estávamos fazendo aquilo por um propósito. Acredito que Pega-se Facção tenha sido uma consequência da minha relação com a cidade, ancestralidade, empatia, afetos e da vontade de unir moda, design e cinema com o interesse de fazer algo por aquela cidade que me acolheu durante 6 anos de minha vida. *Sobre Thaís Braga Thaís Braga é pernambucana, feminista, neta de costureiras, tem 27 anos e é graduada em Design pela UFPE no campus interiorizado de Caruaru. Vive entre o design gráfico e o de moda, mas sua paixão é contar histórias através do audiovisual. O curta "Pega-se Facção" é seu primeiro trabalho como documentarista. Saiba mais sobre o filme: https://www.spiarevista.com/post/filme-destaque-maio-2021-pega-se-fac%C3%A7%C3%A3o