Texto escrito por Maria Clara Mendes
No dia 19 de maio de 1995, com o Recife em plena transformação do Mangue, surge uma das bandas pernambucanas mais inventivas e com raízes na obra de Jackson do Pandeiro. O Cascabulho deixou a sua marca no Mangue e na música brasileira. “É muito gratificante ter a certeza que você acompanhou o processo inicial e que ainda está ativo na construção desse movimento que veio a se chamar de Mangue”, revela Magrão, vocalista do grupo, em entrevista à Revista Spia para o Especial de 30 anos do Manguebeat.
A contribuição do Cascabulho com o Manguebeat reflete a diversidade musical e estética do movimento. Sobre este aspecto, Magrão é enfático: “A peça fundamental do Manguebeat foi a diversidade. Você tinha uma cidade pulsante, e ainda tem, numa produção musical efetiva e vigorosa, e ao mesmo tempo, uma diversidade que eu acho difícil outro lugar do Brasil ter”. Esta pluralidade se evidenciava sobretudo em dois alicerces do movimento: Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, autores respectivos dos icônicos discos ‘Da Lama ao Caos’ e do ‘Samba Esquema Noise’.
“Nós tivemos o primeiro contato com Chico Science & Nação Zumbi na cidade de Campina Grande, onde nós abrimos um show pra eles que estavam vindo, se não me falha a memória, de Fortaleza, e daqui de Recife foi o Cascabulho e o Eddie”, recorda. Foi nesta noite que a banda entregou a Paulo André Pires, empresário de Chico e Nação, um release e uma fita demo. “Depois que Chico faleceu, nós começamos a trabalhar com Paulo André e foi onde nós fizemos as nossas primeiras turnês internacionais.”, relembra. Este encontro impulsionou o Cascabulho a lançar o seu primeiro álbum, no Brasil, na Europa e no Japão, colocando um potente trabalho autoral no mundo. Destas memórias se destaca um lamento: “Infelizmente por uma partida precoce, a música perdeu Chico e nós não tivemos a honra de trocar uma ideia com ele, de talvez traçar algumas coisas musicalmente falando”.
É possível se emocionar só de imaginar o que Chico e Cascabulho teriam produzido. Se não houve tempo suficiente para que esta parceria acontecesse, Chico Science inspirou uma geração e movimentou, com outros caranguejos, uma cena em que o Cascabulho se insere. “Eu considero o nosso principal legado, além de fazer parte dessa diversidade, nós construímos, hoje, uma música Cascabulho que veio fincada a partir da música de Jackson do Pandeiro”, observa. Esta influência é um indício das vivências dos membros da banda. “Como pessoas nascidas no centro urbano e crescidas na cidade, mas filhos e netos de pessoas que vieram de zona rural, mostrar a música de Jackson do Pandeiro numa dimensão ampla foi fundamental”, ressalta.
Se ainda hoje há quem desconheça a obra de Jackson do Pandeiro, a situação não era diferente nos anos 90 e o grupo buscou “mostrar a música do Jackson do Pandeiro numa dimensão maior do que apenas algumas canções que se conhecia do rádio, no período do ciclo junino”, aponta. A vontade era construir a sua própria identidade, inspirada na genialidade do mestre e vinculada com referências da zona rural e da vida urbana. O Cascabulho se colocou vigorosamente numa posição de destaque, pulsando criatividade e confirmando o que para Magrão é uma certeza: “considero que ainda hoje a música pernambucana é a música mais criativa da música brasileira”.
O movimento Mangue é um forte exemplo da diversidade e da criatividade da música pernambucana, “o legado do Manguebeat foi ter colocado efetivamente a música de Pernambuco em sintonia com a música contemporânea do mundo”, afirma. O Mangue que já se mostrava original nos anos 90 e que ainda ecoa 30 anos depois, “foi uma oxigenação total, naquele momento, nas artérias da música brasileira, injetando novos elementos e inovando a música brasileira”, manifesta. Para o Cascabulho é um orgulho ter participado deste momento histórico e se manter na ativa como “uma das poucas bandas, ao longo desses 30 anos do Mangue, com 27 anos ininterruptos de atividade”, destaca. Fica evidente a vontade de fazer muito mais: “o Cascabulho continua seguindo com disposição de mais 50 anos de música, de força, e de construção de uma música Cascabulho”.
A música brasileira só pode festejar que o Cascabulho continue a sua inventividade, levando para as novas gerações o trabalho de Jackson do Pandeiro, o legado da própria banda e do Manguebeat. Afinal, a música Cascabulho nos revela o que de melhor temos na cultura pernambucana e brasileira.
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