Mudez Mutante mostra a sensibilidade de um diretor que tinha apenas 16 anos.
Cena do filme Mudez Mutante -
Disponível em: Cinemateca Pernambucana
Mudez Mutante de 1973, foi o primeiro curta experimental de Geneton Moraes Neto. Rodado em super-8 e com duração de sete minutos, o diretor passeia por uma sala onde estão uma mulher e um homem lendo revistas em silêncio. A câmera curiosa começa a explorar o que parece ser um quarto com poucos objetos, mas com muitos recortes de imagens e palavras de manchetes de jornais, todas coladas nas paredes.
A mudez se apresenta apenas no não diálogo entre os personagens, mas é acompanhada pela música Me Deixe Mudo de Walter Franco, também lançada em 1973. A música, que acompanha o grande quebra cabeça de palavras nas paredes, é uma composição que remete claramente à poesia concreta. Me Deixe Mudo tem uma estrutura ternária, uma sequência de silêncio-som-silêncio: começa com um silêncio que vai sendo preenchido por acordes e intercalações de fonemas e sons sem formas, até chegar na estrutura harmônica de música. E, por fim, vai se desmanchando, com a volta de fonemas e sons sem formas, ao retomar um silêncio intercalado que quebra toda a estrutura anterior.
Cenas do filme Mudez Mutante - Disponível em: Cinemateca Pernambucana
“Fique à vontade” é a primeira frase audível da música de Franco, e Geneton nos faz pensar que não é possível o conforto com a opressão. É uma crítica direta aos anos mais duros da ditadura, e é quando a personagem feminina se levanta e escreve num quadro negro, que o diretor nos mostra a vontade que o silêncio seja interrompido.
Além da utilização de Me deixe Mudo como trilha principal do filme ou pela aparição de repetidos “ou não” no final do filme (o nome do álbum em que Walter lança pela primeira vez essa canção é Ou Não), a convergência das obras se dá pelo desejo de criar sons a partir dos silêncios. Geneton dá materialidade visual à vontade implícita na música de Franco.
Cena do filme Mudez Mutante -
Disponível em: Cinemateca Pernambucana
A última parte da canção, que leva de volta ao silêncio inicial, é complementada pela saída do cômodo pelos personagens. As paredes continuam falando, mas o cômodo continua mudo. É o questionamento sobre onde está nossa liberdade. Se somos silenciados, como seremos ouvidos? É mutante porque se refaz. Geneton dá início a sua carreira de diretor transformando o silêncio rígido da censura em poesia que no final nos liberta. A mudez é anterior a toda criação.
* Essa e outras outras de Geneton Moraes Neto podem ser conferidas no site da Cinemateca Pernambucana
**Para conhecer a vida e obra do diretor, recomendamos a biografia: Geneton - Viver de Ver o Verde Mar, de Ana Farache e Paulo Cunha
Referências:
FARACHE, Ana; CUNHA, Paulo. Geneton: viver de ver o verde mar. Recife: Cepe Editora, 2019.
GENETON Moraes Neto. Disponível em: <http://cinematecapernambucana.com.br/diretores/geneton-moraes-neto/>. Acesso em: 05 nov. 2020.
STESSUK, Sílvio . O silêncio em espirais: Walter Franco. In: XI Congresso Internacional da ABRALIC, 2008, São Paulo. Anais do XI Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo: Abralic, 2008.
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