A partir das fotografias de Géssica Amorim, refletimos a importância do fazer fotográfico na construção da identidade e a permanência dos afetos.
Embora pensados em muitos casos de formas apartadas, a fotografia e o tempo se entrelaçam na construção da identidade e partilham um sentimento único: o afeto das memórias. Stuart Hall (1932-2014) foi um teórico cultural e sociólogo, que dedicou-se a compreender e valorizar o estudo da cultura. Em seu livro “A identidade cultural na pós-modernidade” (1992), Hall traça uma narrativa acerca da relação entre o homem e a identidade moderna, o mesmo afirma que por muito tempo as identidades eram sólidas e os indivíduos se encaixavam nas ideias já estabelecidas, com o passar do tempo as identidades se encontram menos definidas e atravessam novas significações para o espaço social e cultural.
Géssica Amorim, 27, traça uma narrativa identitária a partir do seu olhar sincero, político e afetuoso acerca daquilo que conhece e perpassa seu cotidiano. A artista está cursando a segunda graduação, sendo essa, em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco no Campus Acadêmico do Agreste (CAA) e trabalha como estagiária na Marco Zero Conteúdo. A narrativa fotográfica traçada em seu perfil no instagram (@gessicamorim) desvendava uma voz sincera, que sempre me acalentou o peito e me reafirma a importância das narrativas múltiplas acerca daquilo que conhecemos e identificamos como história.
“O lugar onde vivo e que costumo registrar com mais frequência é estereotipado desde sempre. Os assuntos, o que varia, o que é singular no espaço e nas pessoas são diluídos e impressos numa mensagem só. Talvez isso confuda quem vê de longe. O meu tema é o que está ao meu redor, o que faz parte da minha existência, do que eu vivo no mundo. É mais íntimo do que parece.”
Reflete a artista nascida no sertão do Pajeú, no sítio dos Nunes. O município é conhecido como uma terra cheia de poesia e retratado de maneira singular pelo olhar de Géssica, que afirma que sua fotografia “É sobre o que vejo no meu pedaço. O que cresci vendo e vivendo. Me apego ao que me é familiar. Fico andando atrás de mim, registrando o que e onde me reconheço.”
Esses são os registros de Géssica Amorim: uma busca aos afetos.
Quando você se descobriu fotógrafa? Qual papel a fotografia tem para você?
Géssica Amorim: Na verdade, eu não me considero fotógrafa. Acho que, pra isso, eu teria de atender a uma série de critérios que envolvem técnicas e estilos que, por vezes, não domino ou não me interessam. Eu sou amadora. Pra conseguir a carteirinha de fotógrafa, é muita exigência, muita obediência (risos).
Clarice Lispector dizia que não queria ser reconhecida como escritora pra manter a sua liberdade enquanto escrevia. Ela sempre se considerou amadora. E eu acho isso honesto e fantástico. Penso igual. Me agarrando a isso honestamente, eu me mantenho livre para aprender, experimentar e produzir o que eu quiser.
Sem obrigação de entregar um produto "profissional", de “alto nível". Pra mim, isso é só engraçado, não um objetivo.
A fotografia me ajuda a suportar. O papel dela na minha vida é esse. Esqueço de tudo quando estou fotografando. Me concentro no que vejo e quero registrar. Não existe mais nada além do que enxergo por trás da câmera.
Cada fotógrafo tem um objeto de estudo, um campo particular que o encanta. Você acredita que há um objeto/campo que te encante mais na fotografia? Se sim, qual/quais?
GA: Eu não sou apegada a um tema específico, nesse sentido. Olhando o que eu publico, pode ser que pareça que eu corro atrás de um tema só, mas não é isso. O lugar onde vivo e que costumo registrar com mais frequência é estereotipado desde sempre. Os assuntos, o que varia, o que é singular no espaço e nas pessoas são diluídos e impressos numa mensagem só.
Talvez isso confunda quem vê de longe. O meu tema é o que está ao meu redor, o que faz parte da minha existência, do que eu vivo no mundo. É mais íntimo do que parece.
Sua produção artística é um embarque ao passado-presente, há sensíveis textos que acompanham as tuas fotografias em seu perfil do Instagram. Qual o valor da escrita na tua arte?
GA: Olha, eu acho que a escrita vem quando as imagens não bastam em alguns casos. Tenho escrito com menos frequência a respeito de algumas imagens e dos significados delas. E eu escrevo quando acho realmente necessário, quando o sentimento me pede.
Talvez seja o que chamam de inspiração, não sei. Eu sei que não forço a barra. Não aqui, no que é meu e onde posso ser livre. Quando vem, eu deixo aparecer. É só isso mesmo.
Tem uma série fotográfica em seu instagram que relata os recados deixados no verso de algumas fotografias. Como você enxerga a fotografia impressa e qual peso ela consegue verter na sua concepção?
GA: Eu sempre achei e acho muito interessante essas mensagens, recados e dedicatórias que a gente escrevia nos versos das fotografias. Eu consigo imaginar o que foi revelado sem olhar a imagem - sem falar na coisa de usar essa imagem como presente, lembrança. Eu acho muito bonito. Queria entregar e receber imagens assim também.
Imagem-presente-recado por Géssica Amorim
Tem algum registro que você fez que pode ser considerado como seu preferido? Se sim, qual e porquê?
GA: Eu ia dizer que não, pra evitar pensar e avaliar demais (risos). Mas, há pouco tempo, levei uma cama para o terreiro e fotografei o conforto que enxergo nela, ali, no meio do mundo. Tentando dizer, mesmo, que qualquer lugar do mundo é casa. Gosto muito dela.
Cama no terreiro por Géssica Amorim.
Entrevista pro Cecília Tavora.
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