
Transgressora, polêmica, híbrida, multimídia, livre, abstrata.
Essas são algumas palavras que poderiam descrever o trabalho do artista plástico Flávio Emanuel. Natural de Recife, Flávio mesclava diversas artes na tentativa de descrever a maior arte que existe: seu interior. Através de pinturas, vídeos, performances, instalações, intervenções urbanas e toy arts (“brinquedos de arte”), o recifense apresentou um mundo que discute temas polêmicos como, por exemplo, sexo e religião. Ele incluia seu particular, mas abria espaço para uma interpretação política e, acima de tudo, imersiva.
Suas obras carregam uma propriedade muito forte que vem por meio dos traços grossos, além das cores tropicais que lembram o calor da sua cidade natal e de onde sempre atuou. Flávio participou de grupos importantes da arte plástica pernambucana nos anos 80, sendo aluno de José de Barros, nome de referência para a área artística da época. Foi em 1987 que participou pela primeira vez do catálogo do Salão da Arte Contemporânea, onde posteriormente participou novamente em 1988 e 1993. Suas obras rodaram o mundo, chegando a ter exibições em São Paulo e Rio de Janeiro, assim como também em Paris no ano de 2005.


A resistência da arte que Flávio tanto prezou vai além das telas e das mesas de trabalho. Ele foi um dos idealizadores da TV Tumulto, um centro cultural que preza a arte como ativismo e também um dos fundadores do N.A.V.E., Núcleo de Artes Visuais e Experimentos. Ambos projetos dão espaço para artistas de diversas áreas apresentarem sua forma de expressão sem censura e com total liberdade, pontos que Flávio colocava como indispensáveis na arte em geral e principalmente na sua.
As artes coloridas e livres conversam principalmente com a idealização do projeto em geral. A originalidade surge a partir disso e da fusão entre os outros tipos de arte, como por exemplo na sua exibição T.I.E. (Teoria da Interferência Externa), realizada em 2013 no Solar da Marquesa. O espaço, que é dividido em dois andares com salas expositivas, bazares, uma copa e uma área de imagem e som, ofereceu uma base para Flávio apresentasse de uma forma multimídia.

Foram utilizadas várias formas artísticas como a pintura, a performance, a intervenção e o video mapping. Divididas em séries, as pinturas seguem uma linha de conceito que varia para cada espaço de exposição. Uma delas, a Pink Crime, descreve com cores rosadas a experiência de rua que o pintor teve na sua vida. Contrastando a cor forte, outra série composta agora com o fundo branco e com traços coloridos foi apresentada. Além disso, a interação com o público se torna mais maleável com quadros pintados com tinta fluorescente, em que o visitante só consegue visualizar com auxílio de uma luz negra. A relação do criador, obra e espectador é intensificada através da interatividade.
Já Time Is Monkey, outra série da exposição, é apresentada em video mapping, um método de exibição de um vídeo em superfícies irregulares. A sala escura é iluminada por três vídeos acontecendo ao mesmo tempo, emergindo ainda mais quem adentra o local.
“Este texto vai permear toda a exposição. É um momento meio autobiográfico, meio ficção. É minha experiência, minha existência.”
A existência da arte é política, e Flávio nunca esqueceu disso. Pinturas e intervenções que criticam o autoritarismo e a censura fazem parte do acervo rico do artista, que representou sua resistência em diversas linguagens. Ele afirma que ao fazer isso, convergiam gerações. Uma conversa entre a sua geração e a geração mais nova.

No dia 3 de abril de 2021, Flávio Emanuel faleceu, porém sua arte faz dele vivo. A marca contemporânea que o próprio deixou em centenas de obras espalhadas pelo mundo é extremamente significativa para a cultura pernambucana. A originalidade e criatividade que suas obras permeiam apresentam uma feição do estado que, devido a estereotipação, não são imaginadas. O movimento plástico contemporâneo está intrínseco na raiz de Pernambuco, mas por muitas vezes é invisibilizado. Flávio é resistência ao participar de projetos que lutaram pelo espaço livre e democrático para uma arte que tanto diz e tanto mostra. Flávio é resistência por ser arte. A arte plástica contemporânea é resistência.
Texto escrito por Samara Torres
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